Texto: Instituto Odara
Neste sábado (9) completa-se um mês que Tainara Santos, 27 anos, saiu da comunidade quilombola Acutinga Motecho, em Cachoeira (BA), e nunca mais foi vista. Desde então, familiares e amigos buscam respostas e apoio das autoridades para encontrar a jovem, mãe de duas meninas, de 11 anos e 2 anos.
Conforme os relatos, Tainara foi vista pela última vez acompanhada por homens em uma lan house, e mais tarde, em uma praça, com o ex-companheiro, George Anderson Santos, com quem teve um relacionamento de seis anos, marcado por brigas e agressões. No dia do desaparecimento, George afirmou à família que deixou Tainara em um posto de gasolina na região de Cachoeira, em um ponto conhecido como “km 25”.
Tainara havia registrado uma queixa de violência doméstica contra o ex-companheiro, solicitando medida protetiva, em agosto. No entanto, em setembro, Tainara teria solicitado ao Ministério Público o encerramento do caso. Para a advogada Maria das Graças, que acompanhou o processo inicialmente, essa decisão foi fruto de pressões e ameaças feitas por George, que exigia a guarda da filha do casal. “Ela chegou a procurar o Conselho Tutelar para entregar a filha, mas estava visivelmente abalada e foi até a emergência com febre devido ao processo de amamentação interrompido”, conta a advogada.
No caso de Tainara, a Delegacia Territorial de Cachoeira cumpriu um mandado de prisão temporária contra George Anderson Santos, no dia 15 de outubro. As investigações continuam para elucidar o paradeiro da jovem quilombola. Familiares, amigos e defensoras de direitos humanos clamam por respostas.
A família de Tainara, representada pela irmã Itamara Santos, expressa a profunda angústia e sensação de impotência diante do desaparecimento. “Estamos em dias de angústia. Não sabemos o que fazer mais. Procurando, sem nenhuma pista de Tainara”, lamenta Itamara. Na próxima quarta-feira (13), às 8h, em frente à Câmara Municipal de Cachoeira (BA), familiares e amigos de Tainara realizarão um ato público em busca de respostas.
Recorrência da violência contra mulheres quilombolas
A situação de Tainara não é isolada. A Bahia enfrenta um cenário alarmante de feminicídios e violência contra mulheres, com números que expõem uma dura realidade para muitas mulheres, especialmente negras e quilombolas. Dados da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI) e da Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) mostram que, entre 2017 e 2023, foram registrados 672 feminicídios, sendo 92,6% dos casos cometidos por parceiros íntimos. Em 2023, foram contabilizados 108 casos, um aumento de 0,9% em relação ao ano anterior, sendo que 80% dos crimes ocorreram dentro do domicílio das vítimas.
Outros casos emblemáticos de violência contra mulheres quilombolas reforçam a necessidade de uma atenção específica à segurança das mulheres nessas comunidades.
No mês de março deste ano, Gleiciene Jesus dos Santos, de 19 anos, foi encontrada morta, com sinais de estrangulamento numa área de matagal nas proximidades de sua comunidade, o Quilombo de Coqueiro, no município de Mirangaba (BA). O principal suspeito foi o companheiro da vítima, encontrado morto após uma semana de busca policial. Douglas dos Santos, de 20 anos, já havia agredido a vítima anteriormente, conforme relato de testemunhas locais. Ambos da mesma comunidade, o casal convivia há cinco anos na mesma moradia.
Outro caso que marcou a Bahia foi o de Elitânia de Souza, estudante e liderança quilombola que também foi vítima de feminicídio. O crime aconteceu na noite de 27 de novembro de 2019, quando Elitânia voltava de uma aula na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) acompanhada de uma amiga, quando foi surpreendida pelas costas e morta a tiros por Alexandre Góes, que não aceitava o fim do relacionamento. Em júri popular, o réu foi condenado a 18 anos de prisão. A condenação, embora tenha sido um passo importante para a justiça, expôs as lacunas na segurança oferecida pelo Estado na proteção de mulheres que possuem medidas protetivas.
Conforme a segunda edição do relatório “Racismo e Violência contra Quilombos no Brasil”, realizado a partir da parceria entre a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq) e a Terra de Direitos, o feminicídio foi a segunda maior causa de assassinatos contra quilombolas entre 2018 e 2022, totalizando 31,25% dos casos, logo abaixo das mortes por conflitos fundiários (40,62%). O Nordeste é a região com maior número de feminicídio de quilombolas.
Esses casos evidenciam um padrão de violência contra mulheres quilombolas e a urgência de políticas específicas que levem em conta as particularidades dessas comunidades. Em um estado onde a violência de gênero avança, histórias como as de Tainara, Gleiciene e Elitânia chamam a atenção para a necessidade de medidas de proteção efetivas, que previnam a violência e ofereçam suporte para mulheres em situações de vulnerabilidade, principalmente em contextos rurais e quilombolas.