Por Patricia Rosa
“Eu nunca imaginei que seria chamada de ‘macaquinha’. Às vezes a gente só vê isso na televisão, com jogador de futebol e tal”. Essa foi a reflexão que Bianca*, ex-funcionária negra da Track & Field, fez após sofrer racismo em uma das unidades da loja em Salvador (BA). Utilizamos aqui um nome fictício, já que, por medo de retaliações, a jovem de 25 anos preferiu não se identificar.
Ela relata que trabalhava como vendedora em contrato temporário numa unidade da loja no Salvador Shopping, e que no último dia 04 de fevereiro, foi chamada de “macaquinha” por uma das gerentes durante um treinamento para outros funcionários. Segundo a vítima, no momento do ocorrido as pessoas presentes riram do episódio.
De acordo com Bianca*, a gerente explicava para as novas funcionárias sobre uma peça de roupa, popularmente conhecida como “macaquinho”. Ela explicou que quando os clientes pedissem por “macaquinho” longo ou curto, na verdade estavam se referindo a peças conhecidas como “jump” ou “jump longo”, respectivamente. “‘Até porque macaquinho é um bicho pequenininho e parece com ela’, disse a gerente apontando pera mim”, relata.
Dois dias após o ocorrido, a jovem formalizou uma queixa na Delegacia Especializada de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa (Decrin), onde o caso foi registrado como injúria racial. Bianca* procurou também a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial e dos Povos e Comunidades Tradicionais (SEPROMI), onde também registrou o caso.
De acordo com a vendedora, ela tentou conversar com a gestora e pediu que não se referisse a ela como “macaquinha”. A gestora teria pedido desculpas, mas negado que se tratava de racismo, afirmando que usou o termo por conta da altura da colaboradora. Após o estabelecimento tomar conhecimento da denúncia, Bianca* conta que passou a ser destratada no ambiente de trabalho.
Perseguição
“A gerente passou a pegar muito no meu pé, cobrava coisas de mim que não cobrava dos outros. Comecei a me sentir ansiosa, triste. Meu rendimento caiu. Eu estava mal emocionalmente, comecei a perder peso e a dormir mal”, conta. Ela relata ainda que as outras vendedoras da loja não queriam ser atreladas a ela e que passou a ser vista como uma pessoa problemática.
“Os vendedores começaram a se afastar de mim, como se não quisessem ser associados à minha presença. Muitas pessoas tentaram me silenciar, dizendo coisas como: ‘Deixa isso pra lá, foi só um mal-entendido. Ela já não pediu desculpas?'”
A então funcionária solicitou à empresa o serviço de apoio psicológico, diante do trauma e do desgaste emocional. Durante o processo de terapia, no entanto, Bianca relata que a profissional disponibilizada pela loja a aconselhou que firmasse um acordo extrajudicial.
“Fiz uma sessão com ela, uma hora e meia. Uma psicóloga preta, antirracista, me senti acolhida. Mas, no final, ela me perguntou: ‘Por que você não faz um acordo extrajudicial pra acabar logo com isso?’”
Bianca* conversou então com sua advogada, que afirmou ter sido totalmente errado a psicóloga tentar induzi-la a fazer o acordo.
A jovem continuou trabalhando na loja até o dia 25 de fevereiro. O contrato da vendedora tinha a duração de 45 dias. Ao final do período, a renovação foi oferecida, e inicialmente Bianca* aceitou, no entanto optou logo em seguida por pedir demissão. O que deveria ser um trabalho temporário de férias se transformou em um grande trauma.
“Eu preciso provar isso, senão vai passar impune e ela vai achar que pode fazer isso com qualquer outra pessoa”, finaliza Bianca.
O que a Track & Field diz
Procurada pela Afirmativa, a empresa lamentou o ocorrido e afirmou que o caso reforça a necessidade de vigilância e aprendizado constantes. Eles afirmaram que a gerente envolvida no caso foi afastada das funções.
“Acreditamos na importância de um ambiente seguro e inclusivo para todos que frequentam e trabalham em nossas lojas. Nosso canal interno anônimo para receber denúncias, reclamações e sugestões e os treinamentos contínuos sobre diversidade, inclusão e prevenção de assédio e violências no trabalho são ferramentas essenciais nesse processo, e vamos reforçá-las ainda mais”, declarou a Track & Field.Este não é o primeiro episódio envolvendo a rede de lojas, em 2023 uma vendedora denunciou uma situação de racismo que teria sofrido pela gerente da unidade de Mata de São João (BA). Um áudio foi registrado com o momento em que a gestora chama a funcionária de “negra tifunzinha”, “negra cor de disco”, e caracteriza o cabelo da mulher como “cabelo de negro, de ferro”. O caso foi registrado na Delegacia de Proteção Ambiental de Praia do Forte.
*Nome fictício