Da Redação
Mãe e filho que submeteram uma idosa à situação análoga à escravidão por 72 anos na casa da família no Rio de Janeiro (RJ), foram condenados pela Justiça do Trabalho a indenizar a vítima no valor de R$ 600 mil por danos morais. Trata-se do caso mais longevo de uma pessoa em situação análoga à escravidão já descoberto no Brasil pelos fiscais do Ministério Público do Trabalho, e foi revelado somente em 2022, após uma denúncia anônima.
A denúncia do MPT acusa Yonne Mattos Maia e André Luiz Mattos Maia Neumann de manter Maria de Moura como trabalhadora doméstica “executando jornadas exaustivas e não remuneradas, em condições degradantes, sem liberdade para se locomover e restringindo sua capacidade de escolha”. O crime foi reconhecido na sentença da 30ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro. O filho também foi acusado de coação e de reter o documento de identidade e o cartão de banco da idosa, sacando seu benefício previdenciário.
Dona Maria é natural de Vassouras, a 140km da capital carioca. Vinda de uma família pobre, com mais 10 irmãos, aos 12 anos ela foi morar na fazenda onde seu pai trabalhava. O dono da propriedade era justamente o pai de Yonne Matos Maia.
Maria passou toda sua vida com eles. Quanto foi resgatada, aos 85 anos, estava com a saúde debilitada. A família da senhora relata que ela foi morar com os patrões do pai pela promessa de poder estudar, e acessar uma vida melhor. O que, segundo a Justiça, não aconteceu. Além disso, ela só via a família no máximo duas vezes por ano e por pouco tempo.
Em sua decisão, o juiz do Trabalho, Leonardo Campos Mutti, frisa que a vítima “trabalhou ao longo de praticamente toda a sua vida com dedicação exclusiva e integral aos réus, em prejuízo de sua própria vida e de seu pleno desenvolvimento como pessoa, sem receber salário ou qualquer outro direito trabalhista, sem liberdade, submetida a condições degradantes de trabalho e a todo tipo de restrição, sendo privada até mesmo de ter a plena consciência de que era vítima de grave ilicitude praticada pelos réus”.
A decisão determinou o pagamento de todas as verbas trabalhistas devidas de janeiro de 1967 até maio de 2022, período em que a vítima trabalhou para os réus. Além da indenização por danos morais individuais, mãe e filho foram condenados a pagar R$ 300 mil por dano moral coletivo.
“Parte da família”
Segundo a denúncia, no dia da inspeção do MPT André segurou o braço de Maria antes dela ser ouvida pelos fiscais e disse: “você não diga que trabalhou para a minha mãe, senão você vai… f* com ela”.
Além disso, fotos do quarto onde a patroa e dona Maria dormiam mostram que “não havia um lençol, uma coberta, um travesseiro. Era um sofá, onde ela passava as noites aos pés da empregadora”, conforme disse Juliane Mombelli, procuradora do trabalho responsável pelo processo judicial, em entrevista ao Fantástico, da Rede Globo, na época.
Ainda assim, a defesa chegou a alegar que a vítima era “parte da família”. A trabalhadora não tinha plano de saúde, e quando a Justiça aceitou a denúncia ela estava quase cega e apresentando sinais de demência. Enquanto o processo corria, Maria passou a receber apenas um salário-mínimo da família Mattos Maia por decisão liminar da Justiça.