Por Karla Souza*
Flávia Cunha Costa (43) morreu em 19 de junho no Pronto-Socorro Municipal do Guamá, em Belém (PA), após ser deixada no local sem documentos e abandonada por um casal que se apresentou como “vizinho”. Segundo a Polícia Civil, a mulher apresentava sinais evidentes de desnutrição e foi vítima de maus-tratos físicos e psicológicos. A investigação, iniciada no último mês de maio, identificou que a vítima viveu por anos em condição de cárcere, sob a tutela da pastora Marleci Ferreira de Araújo e seu marido, o líder religioso Ronnyson dos Santos Alcântara.
A prisão preventiva do casal foi cumprida no dia 4 de julho, com autorização judicial baseada em relatos e provas coletadas durante busca e apreensão. De acordo com a titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam), Bruna Paolucci, Flávia foi induzida a jejuns prolongados como forma de alcançar uma suposta “purificação espiritual”. Durante o período em que viveu na casa do casal, ela também era obrigada a realizar tarefas domésticas em condições degradantes, sob constante isolamento familiar.
Segundo a prima da vítima, Ana Paula Santos, Flávia foi afastada da própria rede de apoio por influência direta da pastora. “Essa pastora começou a dizer ‘tenho a solução para os teus problemas’, começou a falar muitas coisas para a Flávia, dizer que ela não tinha que estar perto da família, que todos eram endemoniados, que ela devia se penalizar para que se purificasse por meio de jejuns”, relatou em entrevista ao G1. A família reforça que ela passou por um processo contínuo de manipulação emocional e rompimento com vínculos afetivos anteriores.
Flávia era formada em secretariado executivo e trabalhava com gerência de projetos científicos, tendo colaborado com diversas universidades brasileiras. Falava três idiomas e dava aulas particulares de inglês e espanhol. A mudança em seu comportamento começou há cerca de dez anos, quando se aproximou da comunidade religiosa liderada por Marleci e Ronnyson. Desde então, perdeu contato com amigos e familiares, deixando de atuar profissionalmente e passando a viver em função das orientações do casal.
A delegada Paolucci, explicou que as vítimas, em muitos casos, estão fragilizadas emocionalmente quando são cooptadas. “Tudo girava em torno de uma cura espiritual, um tratamento espiritual, que as vítimas já fragilizadas iam entrando, iam sendo manipuladas com o tempo”, apontou a delegada Bruna Paolucci, titular da Delegacia de Atendimento à Mulher ao G1.
No mês anterior à morte, a polícia esteve na residência da pastora após denúncia anônima. Apesar das evidências de negligência, como as condições do quarto onde Flávia dormia, ela recusou ajuda, alegando perseguição da família e afirmando manter relação de amizade com o casal.
O caso será tratado como cárcere privado com resultado morte. A defesa do casal nega as acusações.