Trabalhadores negros recebem R$ 14 bilhões a menos devido exclusivamente ao racismo, mostra estudo

De acordo com o Núcleo de Estudos Raciais do Insper (NERI), em um cenário sem desigualdade, um trabalhador negro ganharia R$ 2.097,48 a mais por mês, enquanto uma trabalhadora negra ganharia R$ 1.535,71 a mais.

Por Andressa Franco

De acordo com uma nova pesquisa do Núcleo de Estudos Raciais do Insper (NERI), o salário médio de um colaborador negro no Brasil é 42% menor se comparado com um funcionário branco. O levantamento revela que na comparação entre o segundo trimestre de 2023 e o mesmo período de 2024, o salário médio de trabalhadores negros é R$ 2.858, contra R$ 4.956 de brancos. Entre as mulheres, a diferença é de 40% (R$ 2.278 ante R$ 3.813).

A pesquisa “O Custo salarial da desigualdade racial” mostra ainda que a taxa de desemprego de trabalhadores negros é 1,4 maior em relação aos brancos, enquanto a de mulheres negras chega a 1,5 superior na comparação com as brancas. Além disso, o levantamento constatou que trabalhadores brancos também tiveram reajustes reais superiores aos conquistados pelos trabalhadores negros.

Trabalhadores negros deixam de ganhar R$ 103 bilhões

Os economistas responsáveis pela pesquisa calcularam qual seria a massa salarial (soma de todos os rendimentos) dos profissionais negros, em um cenário onde recebessem o mesmo salário e tivessem o mesmo nível de empregabilidade dos brancos.

Desse total, eles mediram quanto se refere à discriminação e quanto se deve a outros fatores que resultam em desigualdade.

“O estudo toma as desigualdades como um todo nas diferenças das médias salariais entre brancos e negros e tenta entender o que explica isso”, comenta Alysson Portella, um dos pesquisadores. “Levamos em consideração aspectos como experiência, escolaridade, tipo de ocupação, de vínculo – se é formal, informal -, local de moradia [sendo a raça o fator que distingue esses trabalhadores]. Isso para ver se essas variáveis explicam ou não a desigualdade. Explica boa parte, mas não tudo.”

Ou seja, se a população negra tivesse as mesmas características da população branca dentro dessas variáveis, qual seria a diferença salarial?

O cálculo chegou ao montante de R$ 102,63 bilhões. O valor se refere a toda massa salarial perdida pela desigualdade racial. Deste número, R$ 61,67 bilhões deixaram de ser recebidos pelos homens negros e R$ 41 bilhões pelas mulheres negras. Ainda dentro do valor global, a pesquisa estima que cerca de R$ 14 bilhões se devem exclusivamente ao racismo.

Em um cenário sem nenhuma desigualdade, um trabalhador negro ganharia cerca de R$ 2.097,48 a mais por mês, enquanto uma trabalhadora negra ganharia, em média, R$ 1.535,71 a mais. 

“O impacto é muito significativo. Equivale à metade da população receber quase metade do que deveria. Então se negros recebessem tanto como brancos, a renda deles iria quase que dobrar. É o quanto o Brasil deixa de gerar em termos de riqueza porque escolheu excluir parte da população do acesso à educação e a trabalhos de qualidade”, acrescenta Alysson Portella.

Baseados por informações coletadas pelo IBGE, o estudo ainda ranqueia a massa salarial desses grupos: homens brancos lideram com R$ 100 bilhões de soma total de rendimentos, seguidos pelos homens negros, com R$ 77 bilhões; e pelas mulheres brancas, com R$ 63 bilhões; as mulheres negras figuram na última posição com uma massa salarial de apenas R$ 44 bilhões.

Ações afirmativas são necessárias no setor público e nas empresas privadas

Para reverter esse quadro de desigualdade provocada pelo racismo sistêmico, Portella observa alguns caminhos que podem conduzir a formulação de políticas públicas.

Em primeiro lugar, o economista chama atenção para as diferenças de acesso à educação entre pessoas negras e brancas. Para ele, o segundo ponto fundamental é repensar a estratégias das políticas adotadas para promover o desenvolvimento de regiões mais pobres do país, especialmente no Norte e Nordeste, onde está concentrado maior número de população negra.

“É preciso repensar a forma como fazemos essas políticas de desenvolvimento regionais. Tivemos experiências como a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), e foi um fracasso. O Nordeste continua muito mais pobre do que o Sul e o Sudeste”, critica.

Por fim, defende maior fiscalização das denúncias de discriminação, e um acompanhamento mais próximo das empresas para identificar os mecanismos que perpetuam o racismo, como nos métodos de contratação e promoção adotados. Nesse sentido, acredita que o governo pode implementar ações afirmativas voltadas para o mercado de trabalho, não só no setor público, através das cotas, mas também nas empresas privadas que são fornecedores do setor público.

“Exigir que empresas privadas que fornecem insumos, ganham licitações junto aos governos, ou usam recursos de financiamento via BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), por exemplo, tenham um percentual mínimo de trabalhadores negros”, propõe.

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