Mulheres negras: corpos políticos dignos de afeto

Nesse período de quarentena, o tema da saúde mental está em voga especialmente porque há um encontro com as camadas mais profundas da nossa subjetividade. Mas não é possível desconsiderar as dimensões estruturais que desembocam em uma série de atravessamentos de gênero, raça e classe

Por Monique Rodrigues do Prado / Imagem: Clarke Sanders

Nesse período de quarentena, o tema da saúde mental está em voga especialmente porque há um encontro com as camadas mais profundas da nossa subjetividade. Mas não é possível desconsiderar as dimensões estruturais que desembocam em uma série de atravessamentos de gênero, raça e classe, justamente porque vivemos em uma sociedade organizada pelo sexismo, racismo e capitalismo.

Assim, mesmo que sejamos um micro organismo dessa estrutura, somos cotidianamente afetadas por cada uma das complexidades imposta por esse sistema simbiótico, o que nos leva a uma série de questionamentos.

A sociedade eurocentrada autoriza o padrão subjetivo branco como amável, desejável, compreensível e digno de afeto. Por isso, muitas mulheres negras são isoladas de experiências afetivas saudáveis ao ponto da solidão ser algo que permeia toda uma vida, o que mais cedo ou mais tarde vai gerar melancolia, angústia, insegurança, raiva e perda de autoestima, como aponta Neusa Santos. (Tornar-se negro: as virtudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social, 1983)

Isso é parte do projeto, pois o eurocentrismo estabeleceu o pacto narcísico em todas as facetas, inclusive no afeto entre os seus semelhantes brancos. Para Maria Bento, “A racialidade do branco é vivida como um círculo concentrado: a branquitude se expande, se espalha, se ramifica e direciona o olhar do branco” (Pactos narcísicos no racismo: branquitude e poder nas organizações empresariais e no poder público).

De outro lado, essa mesma branquitude hipersexualiza, castra e regulariza a vivência de mulheres negras na tentativa de continuar seu projeto colonizador a partir da objetificação desses corpos.

Nesse sentido, para sair dessa armadilha imposta pela branquitude, primeiro é necessário mergulhar na experiência de torna-se negra fora do ideal de ego branco estruturalmente imposto. Para Neusa Santos esse ideal de Ego tem relação com “o signo de onipotência e marcado pelo registro de imaginário, caracteriza-se pela idealização maciça e pelo predomínio das representações fantasmáticas .

Portanto, a construção do desejo está relacionada ao simbolismo. Para os atentos a decolonização pautada na vivência diaspórica que tem em vista à retomada da integralidade subjetiva de mulheres negras, é fundamental experimentar a fusão dos componentes corpo, mente e espírito que na perspectiva hegemônica foram totalmente divorciados para produzir mais dor, impotência, ódio e dominação a essas pessoas.

Por outro lado, Neusa Santos ensina que o paradigma de Ego Negro não tem como se desvencilhar da História e da política, já que são esses lugares também onde os corpos afirmam a sua existência.

Essas reflexões estão diretamente relacionadas a quem produz os abismos afetivos às mulheres negra, visto que os cuidados a essas mulheres são negados já na primeira infância ao ter interação com ambientes institucionais como, por exemplo, a escola. Logo em seguida, na fase infanto-juvenil essas sujeitas são marcadas pela sexualização, mesmo quando esse assunto vem de uma forma totalmente deformada. Na vida adulta isso tende a ser agravado, pois as violências são mais escancaradas: relações tóxicas, abusos e tantas outras dimensões.

Por isso, compreender todas as violências acumuladas sob os corpos de mulheres negras no que tange a negativa de afeto, é também um convite para se afastar desse ideal de ego branco, para que a intimidade, a sexualidade e o afeto também seja um lugar de usufruto para essas sujeitas.

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