Um Príncipe em Nova Iorque 2: uma demorada e necessária continuação?

Mais de trinta anos depois de ter sido lançado o filme Um príncipe em Nova Iorque (Coming to America, 1988, direção de John Landis), um dos maiores sucessos de bilheteria no final da década de 1980 e uma referência por ter trazido um elenco majoritariamente negro, chega ao streaming Amazon Prime Video a continuação do filme, Um príncipe em Nova Iorque 2

Por Lecco França* / Imagem: Reprodução

Mais de trinta anos depois de ter sido lançado o filme Um príncipe em Nova Iorque (Coming to America, 1988, direção de John Landis), um dos maiores sucessos de bilheteria no final da década de 1980 e uma referência por ter trazido um elenco majoritariamente negro, chega ao streaming Amazon Prime Video a continuação do filme, Um príncipe em Nova Iorque 2 (Coming to America 2, 2021, direção de Craig Brewer), que reune boa parte do elenco principal.

Nessa comédia de ficção, com roteiro de Kenya Barris, e novamente protagonizada por Eddie Murphy, o então príncipe Akeem Joffer, do fictício país africano Zamunda, assume o trono após a morte do pai, Jaffe Joffer. Casado com Lisa e pai de três filhas, um dos conflitos que o aflige na trama é o fato de não ter tido um herdeiro masculino, que, dentro do regime monárquico, preconiza a continuidade da linhagem pelos filhos homens. Entretanto, antes de falecer, seu pai revela que ele tem um primogênito bastardo, resultante de uma relação com uma desconhecida mulher enquanto esteve nos Estados Unidos. Essa revelação culminará no retorno do agora rei Akeem a Nova Iorque para resgatar esse herdeiro e garantir a tranquilidade de seu reinado.

Além da permanência de muitos personagens do primeiro filme e da fidelidade a boa parte do roteiro original, o segundo filme também investiu na reconstituição de cenários, como a barbearia de Clarence e a lanchonete Mc Dowell’s (nítida alusão à rede de fast food Mc Donalds), com suas devidas atualizações na composição dos ambientes, trazendo destaque para a direção de arte. Outro elemento relevante nessa continuação são os figurinos assinados por, dessa vez, Ruth E. Carter, vencedora do Oscar 2019 nessa categoria pelo filme Pantera negra (Black Panther, 2018, direção de Ryan Coogler). As vestimentas pomposas, com estampas na sua maioria em Wax print (tecidos africanos) e muitos acessórios em pedrarias, concebidas por Deborah Nadoolman no primeiro filme, são substituídos por roupas com cortes mais ajustados, estampas que fogem do estilo animal print, forte influência da moda ocidental, que transita entre o estilo esportivo, com merchandising da Puma, e estilos mais refinados, complementados por acessórios em búzios e pedras preciosas, por sua vez, com o merchandising da joalheria Bulgary. A cultura pop estadunidense, em especial a música, com os gêneros rap e R&B, e o cinema, por exemplo, com Zamunda em sintonia com Wakanda, o país fictício de Pantera negra, também são representativos nessa obra.

O filme cumpre a proposta de ser uma obra de mero entretenimento, uma comédia, um tanto sem graça, com apelo popular baseado em personagens exagerados e caricaturais, em particular os vários personagens interpretados pelo próprio Murphy, também repetindo a fórmula do primeiro filme, assim como outros filmes do gênero, a exemplo de O Professor Aloprado (1996) e Norbit (2007), o que seria tolerável se não fossem algumas falhas significativas, já presentes no primeiro filme, que se repetem no segundo, como os recorrentes estereótipos sobre o continente africano, com um palácio no meio da selva, rodeado por elefantes, girafas e zebras em constantes trânsitos, e uma representação um tanto machista e misógina, que inferioriza ou objetifica corpos negros, em especial das mulheres. O atual debate sobre relações de gênero na contemporaneidade poderia contribuir muito para a renovação da obra, mas se esvaziou e se perdeu totalmente na trama.

Além disso, temas delicados da história político-social da África, como a instabilidade política de muitos países africanos, cujos projetos democráticos são constantemente abalados por movimentos separatistas, disputas de poder, golpes de estado e milícia armamentista, de alguma forma são corporificados no filme pelo personagem General Izzy, interpretado por Wesley Snipes. Assim como os contrastes socioeconômicos entre a nobreza (com seu palácio de ostentação, e membros da corte regados a regalias,  luxos e hábitos supérfluos) e as classes subalternas, que poderiam ser comparados com as pequenas elites africanas que se desenvolveram no pós-independências e as grandes populações pobres resultantes desse processo histórico, são minimizados ou comicizados, sem qualquer possibilidade de abordagem crítica.

Para não dizer que o filme é só risos e entretenimento alienalizante, alguns momentos de crítica são minimamente visíveis, como a situação política dos EUA pós-Obama e final da era Trump, o processo de gentrificação do Queens, baseado na ocupação de pessoas brancas, especulação imobiliária e migração forçada de pessoas negras – uma espécie de limpeza étnica -, e na discussão sobre racismo e privilégio branco, na cena em que Lavelle (filho bastardo de Akeem) participa de uma entrevista de emprego, cujo dono da empresa é um homem branco, que herdou o patrimônio do pai, consequentemente herdado do avô, e perde a vaga após um debate racial com o empresário.

Agora é aguardar o último filme para fechar a trilogia (Será? Não duvido).

 

 

* Lecco França é professor universitário, pesquisador, escritor, cineclubista, curador e crítico de cinema. Membro da Associação de Profissionais do Audiovisual Negro (APAN). E-mail: leccofranca@gmail.com.

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