Movimento negro convoca ato contra violência policial em São Paulo

Boicote ao uso de câmeras nas fardas de policiais militares se refletem no acúmulo de abusos e execuções registrados na última semana

Por Andressa Franco

Na esteira dos últimos casos de violências e execuções provocadas pela Polícia Militar no país, a Uneafro e o Movimento Negro Unificado convocaram um ato para a próxima quinta-feira (5), às 18h, em frente ao Theatro Municipal de São Paulo. O ato deve caminhar até a sede da Secretaria de Segurança Pública (SSP), na rua Líbero Badaró.

O objetivo é protestar contra a política de Segurança Pública do governo paulista, comanda pelo governador do estado Tarcísio de Freitas (Republicanos) e pelo seu secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, aposentado como capitão da Polícia Militar, que já disse em um áudio revelado pela Ponte Jornalismo, que colegas de farda que mataram menos de três era algo “vergonhoso”.

Desde janeiro deste ano, o governador de São Paulo admite que não investiria em câmeras nas fardas policiais. O mesmo governador que declarou não estar “nem aí” em relação às denúncias de letalidade e abusos cometidos por policiais durante a Operação Escudo, que deixou 28 mortos em 2023. “O pessoal pode ir na ONU, na Liga da Justiça, no raio que o parta que eu não estou nem aí”, disse na época. 

A instalação das câmeras foi um dos motivos que levou a letalidade de policiais militares em serviço cair quase 40% em 2022, no estado de São Paulo. O acúmulo de casos observados nos últimos meses, faz parte do resultado do boicote de Tarcísio ao instrumento.

O mais recente, onde um policial foi flagrado em um vídeo arremessando um homem de uma ponte, para cair em um córrego no bairro Cidade Ademar, ganhou ampla repercussão em todo o país na última segunda-feira (2). Um dia antes, no domingo (1), PMs agrediram com socos e chutes um motociclista na Zona Norte da cidade. 

Mas outros casos de abuso dos agentes de segurança se tornaram ainda mais fáceis de encontrar, e se empilharam nos últimos meses. 

No dia 20 de novembro, policiais militares mataram um estudante de medicina de 23 anos, filho de um casal de médicos peruanos, com um tiro a queima roupa, e chegaram a alegar legítima defesa. 

Ainda em novembro, no dia 5, Ryan da Silva, de apenas quatro anos, morreu após ser atingido por um tiro de espingarda durante uma operação na Baixada Santista, sendo que o PM Clovis Damasceno de Carvalho Junior, era o único envolvido na ocorrência com esse modelo de arma. 

No dia 3 de novembro, um policial fora de serviço matou um jovem negro de 26 anos com 11 tiros pelas costas, na porta de um supermercado. Gabriel Renan da Silva Soares era sobrinho do rapper Eduardo Taddeo, e havia furtado quatro pacotes de sabão. O policial chegou a alegar legítima defesa.

No dia 29 de outubro, a polícia vitimou outra criança em São Paulo. O menino Ryan Gabriel dos Santos, de apenas 10 anos, foi atingido por disparos de arma de fogo durante uma abordagem policial. 

Já em Bauru (SP), os agentes não respeitaram nem o momento em que amigos e familiares velavam dois jovens que foram mortos em supostos confrontos com PMs um dia antes. O caso aconteceu no dia 18 de outubro, quando o irmão de um dos jovens mortos reclamou da presença da polícia no local, e foi detido por desacato. Quando sua mãe tentou protegê-lo, foi arrastada e jogada no chão.

Dados de um levantamento realizado pelo UOL com base em números da SSP, mostram que a PM de São Paulo matou uma pessoa a cada 10 horas em 2024. O número é mais que o dobro de 2022, ano anterior à gestão de Tarcísio de Freitas.

A previsão para a PM paulista iniciar as operações com as novas câmeras corporais em suas fardas, é até o dia 17 de dezembro. No entanto, nesse novo modelo, o policial decide quando começar a gravar uma ocorrência. 

Bahia e Pernambuco também registraram execuções pela polícia 

Se em São Paulo, que teve uma experiência bem-sucedida de redução da letalidade policial por meio do uso das câmeras corporais antes de voltar a registrar uma assustadora letalidade policial, outros estados ainda engatinham na adesão ao equipamento. 

Em Salvador e Região Metropolitana (RMS), as unidades policiais que adotam a política atendem em apenas 18 áreas: Tancredo Neves, Arenoso, Liberdade, IAPI, Santa Mônica, Boca do Rio, São Cristóvão, Cassange, Pernambués, Saramandaia, Pirajá, Centro Histórico de Salvador, Barra, Calabar, Pituba, Lauro de Freitas e no Batalhão Rodoviário, em Camaçari. 

Nesta quarta-feira (4), a Polícia Militar confirmou o afastamento do agente Marlon da Silva Oliveira, investigado por executar um adolescente negro de 17 anos na madrugada do último domingo (1), em Ondina, bairro de Salvador (BA). Ele alegou legítima defesa, mesmo sendo possível ver em imagens gravadas por uma pessoa que passava no local, que Gabriel Santos Costa, e um amigo de 19 anos, estavam rendidos, após serem xingados e receberem tapas, e Oliveira os obrigar a deitar no chão e colocar as mãos na cabeça, antes de serem baleados por cerca de 12 tiros. Gabriel não resistiu, já o outro jovem, que não teve o nome divulgado, está internado em estado grave no Hospital Geral do Estado (HGE). Marlon, que atua na 9ª Companhia Independente da Polícia Militar, no bairro da Boca do Rio, não estava fardado quando abordou os garotos, que, segundo ele, tentaram assaltá-lo. 

Vale lembrar que, de acordo com dados da Rede de Observatórios da Segurança, a polícia da Bahia é a mais letal do país. Em 2023 foram 1.702 vítimas – único estado entre os monitorados a ultrapassar a marca de 1 mil casos. Um assassinato cometido pela polícia a cada 7 horas. O relatório aponta que as forças de segurança da Bahia são responsáveis por 47,5% das mortes de pessoas negras em ações policiais nos nove estados analisados. 

Ainda na região Nordeste, um sargento da Polícia Militar de Pernambuco, Venilson Cândido da Silva, de 50 anos, matou um motociclista de aplicativo, Thiago Fernandes Bezerra, de 23 anos, em Camaragibe, na Região Metropolitana de Recife. O crime aconteceu no último domingo (1), quando o sargento discutiu com o jovem devido ao pagamento de R$ 7 por uma corrida. Durante a discussão, Venilson sacou um revólver e executou Thiago. Ele foi afastado por 12º dias de suas funções públicas, e está preso enquanto aguarda o andamento das investigações, que estão sendo conduzidas pela 10ª Delegacia de Homicídios de Pernambuco.

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