Por Catiane Pereira
A escritora paulista Lilia Guerra, autora de O Céu para os Bastardos e Perifobia, denunciou ter sido acusada por uma pousada em Paraty (RJ) de furtar um lençol e uma manta. Na ocasião, a autora participava da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). O episódio ocorreu duas semanas após o fim do evento, realizado entre 30 de julho e 3 de agosto, e foi narrado pela autora em um texto, intitulado “Transparente”, publicado em seu blog no sábado (16).
Segundo Lilia Guerra, a denúncia foi comunicada pela própria organização da Flip, que a convidou para mesas literárias e era responsável por sua hospedagem. “Quase duas semanas depois de ter retornado para São Paulo, recebi uma mensagem da gestão [do evento], informando que a pousada onde permaneci relatava que eu havia ‘levado um lençol e uma manta embora’. Fiquei tão espantada na hora que até ri. Minha Vó dizia que pobre ri à toa”, escreveu.
A Afirmativa, a autora detalhou a cronologia dos acontecimentos. “Recebi uma mensagem via WhatsApp, por volta das 19h30 da quarta-feira (13). Uma pessoa da equipe [do evento] pediu desculpas pelo incômodo e informou que a pousada onde estive hospedada alegava que eu havia ‘levado’ um lençol e uma manta”, relata Lilia. Ela conta que em seguida, numa segunda mensagem disseram: “‘Duvido muito que seja verdade, mas se for, você só me confirma pra gente pagar?’. Essa segunda mensagem eu não enxerguei de tão assustada que fiquei com a primeira (….) Comecei a negar a acusação e a questionar como podia ser possível?!”
Lilia contou ainda que, mesmo sem perceber de imediato a pergunta, começou a negar a acusação e chegou a telefonar para a pousada em busca de esclarecimentos. “Eu disse que ia ligar na pousada porque, afinal de contas, era eu a acusada, e a equipe me incentivou. Liguei, mas não havia ninguém que pudesse me dizer o que estava acontecendo. Só no dia seguinte, às 15h56, recebi uma mensagem da pousada.”
Problemas na hospedagem
A escritora relatou também problemas na hospedagem após uma noite, como a escassez de roupas de cama e a precariedade do quarto. “A pousada tinha roupa de cama escassa, eu precisei de um cobertor extra na primeira e única noite em que permaneci lá e eles não tinham. No dia seguinte tive que ser transferida, não apenas eu, outros hóspedes também”, relata. “A porta do banheiro do quarto que ocupei se desfez ao manuseio. Eles ficaram de trocar a porta em duas horas. Acho que não conseguiram. Acabei sendo transferida”, complementa. No dia seguinte, após relatar os problemas à equipe do evento, a escritora foi transferida para outro hotel.
Mesmo diante da negativa, Guerra afirmou que a pousada continuou pressionando a Flip pelo ressarcimento. A equipe, segundo ela, prometeu montar um dossiê em sua defesa. Apesar disso, a escritora disse que a acusação a abalou profundamente. “Depois de, incrivelmente, me pegar afirmando que não, não, não e um milhão de vezes, não havia furtado nada, fui aconselhada a ficar tranquila. Relaxar. Tudo se resolveria (…) No entanto, desde o ocorrido, não consigo dormir direito, buscando estratégias que possam evitar que semelhante… eventualidade volte a acontecer”, escreveu em seu blog.
A autora relatou ainda que recebeu pedidos de desculpas da pousada e da equipe da Flip, mas destacou que a experiência evidencia o racismo enfrentado por pessoas não-brancas em situações semelhantes. “Pessoas que entendem que não há diferença entre ser seguido numa loja ou ser questionado, ainda que com alguma cordialidade, sobre um edredom desaparecido. Que entendem exatamente porque é que foi considerada a remota possibilidade de que podia ser que…”
Apesar do constrangimento, Guerra afirmou que nada mudará em sua carreira com o ocorrido. “Acho que o episódio vai repercutir porque precisa ser discutido. Mas minha carreira, especificamente, não sofrerá alterações por isso. Eu vou continuar escrevendo como sempre. Seguirei com os meus projetos.”
O episódio teria ocorrido na pousada Garden Hotel Paraty. A reportagem contatou a pousada, que negou ter feito qualquer acusação de furto. A escritora, no entanto, apresentou uma captura de tela com mensagens enviadas pelo próprio Garden Hotel. Nelas a pousada diz que, após a limpeza do quarto, “percebeu a ausência de um cobertor e uma peseira” e, por isso, acionou a organização da Flip “apenas para confirmar se, por acaso, essas peças poderiam ter sido levadas para outro quarto ou retiradas por algum motivo”.
A Afirmativa tentou contato com a Flip, mas não obteve sucesso. Em nota enviada à veículos da imprensa, a organização declarou que “lamenta profundamente o ocorrido e reforça sua responsabilidade e compromisso, posicionando-se de forma firme e solidária ao lado de Lilia Guerra e assegurando todo o acolhimento à autora”.
A escritora disse que seguirá participando de eventos literários, mas que pretende adotar medidas para se resguardar. “Sei que não pretendo mais sair de nenhum serviço de hospedagem sem que alguém me garanta que todos os itens do rol estejam em seus lugares. Pensei que o ideal seria ter uma mala… transparente.”