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Mulher adotada aos 6 anos foi mantida em trabalho análogo à escravidão por casal em Salvador (BA)

Imagem: Ilustrativa/ Agência Brasil

Por Késsia Carolaine*

A 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Bahia (TRT-BA) determinou que um casal pague R$ 50 mil de indenização para uma mulher, após reconhecer que ela foi condicionada à exploração de trabalho infantil e análogo à escravidão. Segundo a nota publicada pelo TRT, em 2000, a menina, que morava em Lamarão, interior da Bahia, foi levada por um casal para Salvador (BA), quando tinha apenas 6 anos. Em 2003, o casal obteve a guarda definitiva da menina, que, neste mesmo período, começou a trabalhar para a família.

De acordo com informações divulgadas pelo TRT-BA, a menina realizava diversas tarefas de casa, que lhe foram ensinadas pelas outras trabalhadoras domésticas que já trabalhavam na casa. Ela acordava às 4h da manhã para preparar o café da família, antes que a patroa saísse para o trabalho. Em alguns dias, estudava pela manhã; em outros, durante a tarde. Os momentos em que ia para a escola eram o tempo que lhe sobrava para “descansar”.

Em alguns momentos, era apresentada pela família como filha adotiva, em outros, como empregada. Além disso, a menina não tinha as mesmas oportunidades que os outros moradores da casa. Quando tinha apenas 15 anos, foi obrigada a largar a escola temporariamente, a fim de cuidar do neto dos patrões. Só conseguiu se formar no ensino médio aos 24 anos, por meio do supletivo. Ela, que sempre era destratada, questionou aos patrões sua situação e, por isso, acabou sendo expulsa da casa.

Os patrões alegam que, por visitarem Lamarão frequentemente, conheciam a menina desde a infância. O casal também alega que a menina frequentava a escola, brincava e que, já adulta, lhe pagaram um curso técnico de enfermagem, pois a tinham como uma filha.

Contestando a versão do casal, testemunhas do caso comprovaram que a mulher nunca fora tratada como filha por eles. Na sentença que proferiu, a juíza Viviane Martins, da 12ª Vara do Trabalho de Salvador, afirma que, segundo o depoimento da testemunha, a partir do momento em que a mulher não realizava as atividades domésticas, ela passou a ser vista como um ‘peso’ para a família. O filho do casal, em seu relato também incluído nos documentos do processo, afirmou que, em certo momento, expulsou a mulher de casa. Já no depoimento da amiga da dona da casa, ela relatou que nem se lembrava do nome da mulher.

Em sua decisão, a juíza acabou concluindo que a menina deixou de ser vista como criança, e passou a ser tratada como apenas um corpo disponível para o trabalho doméstico. Ela determinou que fosse reconhecido o vínculo de emprego, com anotação em carteira, pagamento de salários e indenização por danos morais no valor de R$ 100 mil.

A 1ª Turma do TRT-BA manteve o reconhecimento de um vínculo de emprego em um caso que expõe uma prática enraizada no país: a chamada “adoção” de meninas de origem humilde por famílias de maior poder aquisitivo, que resulta em exploração de trabalho infantil doméstico e, mais tarde, em trabalho análogo à escravidão.

O caso, que foi alvo de recurso dos patrões, teve como relatora a juíza convocada Dilza Crispina. Em seu voto, a magistrada destacou que a prática de recrutar crianças do interior ou de periferias com a promessa de educação e ascensão social é frequente no Brasil. Ela afirmou que “essas crianças acabam submetidas a precárias relações de trabalho doméstico infantil que perpassam aspectos relacionados à herança colonialista/escravista”.

A relatora foi enfática ao constatar que a menina envolvida no caso nunca foi tratada como membro da família, seja na condição de filha ou de irmã, o que descaracterizou a alegação de adoção e reforçou a existência da relação de trabalho. Embora tenha mantido a condenação pelo vínculo empregatício, a relatora considerou que o valor inicial da indenização superava a capacidade econômica dos réus. Apesar do caso chocante e de todos os anos de exploração, os magistrados decidiram pela redução do valor  para R$ 50 mil, e, além disso, o casal ainda pode entrar com recurso. 

A decisão do colegiado foi unânime em relação ao reconhecimento do vínculo de emprego. No entanto, o novo valor da indenização foi aprovado por maioria, após a análise da condição financeira dos empregadores.

A sentença traz uma contradição. Por um lado, é reconhecido e, de forma unânime, o trabalho infantil e análogo à escravidão foram condenados. Por outro lado, os mesmos juízes reduzem a indenização, comprovando que o sofrimento da vítima não tem valor. Ao baixar o valor porque os réus não teriam mais condições, a decisão pode tratar um crime grave como se fosse banal. A exploração vira, na prática, uma conta que pode sair barata. Além disso, o casal ainda pode recorrer. Ao prolongar o sofrimento da vítima, mostra como a demora da Justiça, muitas vezes, beneficia quem cometeu o crime.

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