Por Andressa Franco e Catiane Pereira
O Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos promoveu na tarde desta segunda-feira (24) um espaço para trocas entre organizações de mulheres negras brasileiras com as duas mulheres negras membras do Fórum Permanente para Pessoas Afrodescendentes da ONU (PFPAD).
O evento aconteceu no Hotel Hplus Fusion Express, em Brasília (DF) e faz parte da Semana por Reparação e Bem Viver, mobilizada pela 2ª Marcha das Mulheres Negras. O objetivo foi atualizar as membras quanto ao contexto em que vivem as mulheres negras no Brasil, os múltiplos racismos cotidianos, informar de agendas internacionais que dialoguem com o trabalho institucional e o PFPAD.
O Fórum Permanente para Pessoas Afrodescendentes da ONU
O Fórum é um mecanismo consultivo da ONU criado para dar voz política, social e econômica às pessoas de ascendência africana. Ele foi institucionalizado pela Assembleia Geral da entidade em agosto de 2021 e atua como corpo assessor do Conselho de Direitos Humanos, contribuindo também para a implementação da Década Internacional para Pessoas de Afro-descendência.
“O Fórum Permanente é o único espaço dentro das Nações Unidas que realmente dá voz à sociedade civil”, explica a historiadora June Soomer, integrante do Comitê de Reparações de Santa Lúcia, no Caribe. “Trabalhamos com governos porque mudanças de políticas acontecem nesse nível. Mas precisamos da sociedade civil para mover essas políticas.”
A quarta sessão do Fórum ocorreu entre 14 e 17 de abril de 2025, em Nova York, marcando a transição para a Segunda Década Internacional das Pessoas Afrodescendentes (2025-2034). A sessão teve foco central em justiça reparatória para os legados da escravidão e colonialismo, especialmente na esteira dos desafios impostos pela inteligência artificial.
Durante esse encontro, o Fórum debateu a urgência global por reparações diante das heranças históricas da escravidão e do colonialismo. As discussões também passaram pela rápida evolução da inteligência artificial, e como esse cenário pode replicar, ou ajudar a reverter, desigualdades sistêmicas. Tiveram destaque ainda painéis sobre direitos humanos de mulheres e meninas afrodescendentes com enfoque interseccional.
Construindo a Declaração sobre Direitos Humanos
O Fórum tem a responsabilidade de articular uma declaração em nome de todas as pessoas de ascendência africana. “Não estamos escrevendo a partir apenas da nossa perspectiva, é por isso que estamos no Brasil”, afirma Soomer. “Para que possamos ouvir a perspectiva de todos.”
A advogada e professora universitária Gaynel Curry, também membra do PFPAD, destaca a importância da participação brasileira: “Geralmente temos uma representação significativa do Brasil, em níveis muito altos e também mais locais, o que demonstra um compromisso claro com as questões das pessoas de ascendência africana.”
Curry ressalta ainda que o documento em construção deve abordar temas fundamentais: “Estamos analisando o racismo de gênero, claro, essa é uma parte central do nosso trabalho. Estamos tentando entender como o racismo continua a impactar nossas vidas e nossos espaços.”
Semana por Reparação e Bem Viver
O evento promovido pelo Instituto é um dos muitos que estão ocupando a capital federal desde a última quinta-feira (20) e seguirão até a próxima quarta-feira (26), como parte da programação oficial da Semana por Reparação e Bem Viver. As agendas são promovidas por coletivos e organizações de todos os cantos do país e também internacionais, mobilizadas em torno da Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver, que aconteceu nesta terça-feira dia 25 de novembro.
“A marcha é sobre 58 milhões de pessoas brasileiras, que somos nós mulheres negras”, afirma Janira Sodré, do Comitê Nacional da Marcha. “É sobre brasileiras que estão no trabalho doméstico, na educação básica, na saúde básica. É sobre mulheres comuns, é sobre nossas vizinhas, a marcha é sobre nós.”
A construção coletiva da Marcha
Bruna Ravena, representante do Fórum Nacional de Travesti e Transsexuais (Fonatrans) e do Comitê Nacional, conta sobre o processo de mobilização: “Em 2015 a gente já fez parte dessa construção. Em todo esse processo, de 2015 para cá, buscando trabalhar essa reparação, as mulheres vinham já vindo construindo esse diálogo e da participação desses corpos dentro desse processo.”
Ela explica a estratégia de capilaridade da Marcha: “É meio que dialogar com as mulheres e fazer essa compreensão para aguçar. Por que marchar? Por que reparação? Por que o bem-viver? Para o que deve ser reparação para as mulheres trans, para as mulheres de quilombo, para as mulheres da água, para as mulheres das matas, para as mulheres de axé.”
Gabriela Ramos, do Odara – Instituto da Mulher Negra e do Comitê Bahia, explica que o documento político em construção se soma a outros já elaborados: “A exemplo da carta de 2015 e a carta aberta à sociedade das mulheres negras do Nordeste da Amazônia, elaborada em 2022, nas quais já nos escrevemos e escrevemos parte significativa do nosso projeto político.”
Ela destaca uma mudança importante de perspectiva: “As mulheres negras brasileiras que marcharam em 2015, aqui concentradas nas nossas violações e no enfrentamento a essas violações, agora convocam as mulheres negras do mundo para pensarmos em como exigir reparação e desmobilizar as relações de poder global que também é uma matriz colonial escravista.”
Legado e continuidade
Janira Sodré encerra com um testemunho pessoal: “Na memória de minha mãe, dona Lulu, que foi uma quebradeira de coco Babaçu, no interior do Maranhão, e que foi um total de zero dias à escola, eu queria fazer um registro desse legado de luta, da construção intergeracional da luta antirracista para que eu, agora doutora pela Universidade de Brasília, possa entrar e sentar em qualquer lugar.”
Ela define o que significa reparação no cotidiano: “A marcha de mulheres é sobre também não sermos questionadas quando estivermos em espaços públicos e que as pessoas não tenham licença para nos questionar nos ambientes.”


