Por Karla Souza*
Na última segunda-feira (8), 10 pessoas de Vitória da Conquista (BA) participaram de um mutirão da Defensoria Pública da Bahia para iniciar a alteração de seus registros civis e incluir os nomes recebidos durante a iniciação no Candomblé. A ação atende demandas antigas de praticantes das religiões de matriz africana, que reivindicam o direito de ver sua identidade espiritual reconhecida oficialmente. A iniciativa surgiu a partir das provocações de Ya Rosa D’Oxum, ialorixá do Ilê Axé Alaketu Omi Ogbá, que vem mobilizando a comunidade local para formalizar o nome que marca o renascimento dentro do terreiro.
O mutirão ocorreu após casos que abriram precedentes importantes, como o de um morador de Camaçari (BA) que acrescentou o termo “Tata” a seu registro, expressão que significa pai dentro das tradições africanas. A partir desse episódio, cresceu o debate sobre a possibilidade de incorporar nomes de orixás e cargos religiosos, como Ogã e Ekedi, aos documentos civis.
Para lideranças religiosas, a mudança não altera apenas a certidão, mas uma narrativa histórica marcada por apagamentos. “Quando a gente se inicia dentro do Candomblé, morre o nosso nome e nasce um outro nome, africano, e queremos garantir o reconhecimento desse direito”, afirma Ya Rosa D’Oxum.
Entre os participantes do mutirão está Ayana Dandara, que frequenta o terreiro desde 2008 e recebeu o nome de santo ‘naromin’, expressão associada a Nanã. O nome, já usado por familiares e pessoas próximas, será incorporado ao registro civil. Para ela, o gesto reafirma pertencimento e posicionamento político. Ayana descreve a mudança como um movimento que amplia o reconhecimento da existência de quem vive a espiritualidade afro-brasileira. O processo de alteração deve levar cerca de seis meses e começa com a coleta de documentos e assinaturas para cada pedido.
Embora a Lei Federal 14.382, de 2022, permita a alteração de nome diretamente em cartório sem necessidade de justificativa, o valor médio de R$500 limita o acesso de grande parte da população. Por isso, iniciativas públicas como o mutirão buscam reduzir barreiras que se acumulam em uma sociedade que ainda impõe estigmas às religiões de matriz africana. As vestes, fios de contas e elementos rituais, muitas vezes alvos de violência simbólica, tornam-se agora parte de uma disputa por reconhecimento e direitos no âmbito institucional.
O aumento de mais de 300% no número de praticantes dessas religiões, segundo dados preliminares do Censo 2022, indica a ampliação da presença de Umbanda e Candomblé em diferentes territórios do país. A média nacional passou de 0,3% para 1% da população entre 2010 e 2022, revelando um cenário em que mais pessoas se identificam abertamente com essas tradições, mesmo diante do avanço de discursos discriminatórios. Esse crescimento ajuda a sustentar a demanda por políticas que assegurem a liberdade religiosa e combatam as desigualdades estruturais que impactam esses grupos.
*Com informações do Correio


