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Mais um Natal de tristeza para a família de Marcelo Daniel: durante os festejos natalinos de 2022, a PM-BA executou a queima roupa o jovem de 19 anos 

Morto em 24 de dezembro, há três anos, Marcelo , se preparava para jogar futebol profissionalmente, e era querido pela comunidade do Nordeste de Amaralina, em Salvador
Imagem: Arquivo Pessoal

Por Redação Odara

Marcelo Daniel, de 19 anos, sonhava em ser jogador de futebol. Gostava de estar com os amigos, cultivava sonhos, planos e um futuro em construção. Amava o Bahia – seu time do coração. Viajou para tentar a carreira de jogador e era conhecido no bairro pelo carinho, pela amizade e pela presença constante junto à família e aos vizinhos.

Na véspera do Natal de 2022, quando os moradores do Alto do Capim, no Nordeste de Amaralina, se preparavam para confraternizar, a Polícia Militar da Bahia fez o que historicamente faz nos territórios negros: transformou festa em luto, sonho em funeral, juventude em estatística. Marcelinho foi baleado e teve a vida interrompida. 

“Marcelo estava na rua. Quando os policiais chegaram, ele levantou os braços. Ele não se moveu, não correu, não reagiu. Mesmo assim, atiraram. Depois disseram que houve troca de tiros, que tinha uma moto, que estavam perseguindo. Mas essa moto nunca existiu. Cadê essa moto? Nunca apareceu”, conta Matheus Ferreira, irmão de Marcelo. Na mesma ação, Adeilton Santana Pereira, de 34 anos, também foi baleado com quatro tiros. Adeilton passou por cirurgia e sobreviveu.

Marcelo foi socorrido e levado ao Hospital Geral do Estado (HGE). Chegou vivo. Passou por cirurgia, perdeu o baço, teve o fígado lesionado e ficou internado em estado gravíssimo. Lutou pela vida durante quatro dias. “A gente esteve com ele todos os dias. Falava com ele, tocava nele. Eu falava e as lágrimas caíam do rosto dele. Ele ouvia o que a gente dizia”, relata Matheus.

A violência não terminou com os disparos. Segundo a família, houve demora no atendimento e negligência no cuidado hospitalar. “Cada minuto importa quando uma pessoa é baleada. A cirurgia demorou. Ele perdeu muito sangue. Isso também pesa quando a gente fala da morte do meu irmão”.

Desde a primeira hora, moradores do Nordeste de Amaralina e familiares denunciaram: não houve confronto, e sim execução. Não houve resistência. Houve disparos à queima-roupa contra jovens negros desarmados. “Meu pai foi com ele dentro da viatura. Minha mãe foi atrás. Eles não levaram meu irmão sozinho. Não teve como plantar nada, não teve como forjar nada.”

Mesmo assim, a Polícia Militar da Bahia divulgou notas frias, genéricas, falando em “intensificação do policiamento” e em suposta “troca de tiros”. Três anos depois, nenhuma prova foi apresentada para sustentar essa versão oficial. Não houve apreensão de arma, tampouco a divulgação de qualquer elemento material que a comprove.

Nenhuma moto encontrada. Nenhuma perícia que confirme o discurso oficial. O que existe são traumas, marcas de bala, cápsulas espalhadas pelo chão e o testemunho consistente de uma comunidade inteira.

“Eles mentiram desde o começo. E continuam mentindo porque o Estado permite. Porque o Estado se mantém ausente”, diz Matheus.

O caso é investigado pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), da Polícia Civil, e pela Corregedoria da Polícia Militar, responsável pelo Inquérito Policial Militar (IPM). A família fez tudo o que o Estado exige das vítimas: registrou denúncia, acompanhou oitivas, cobrou respostas, insistiu. Ainda assim, o processo segue travado.

Três anos depois, o Ministério Público da Bahia aguarda o recebimento do Inquérito Policial Militar (IPM), conduzido pela Corregedoria, documento indispensável para analisar o caso e decidir se haverá denúncia contra os policiais envolvidos. Sem a conclusão do inquérito, o caso permanece estagnado. E, sem avanço nas investigações, não há responsabilização.

Esse travamento é um método. A polícia mata, a corregedoria demora, o Ministério Público espera, e o tempo trabalha a favor da impunidade. As famílias, por sua vez, são condenadas a um luto sem justiça.

Desde 2022, o Natal nunca mais foi o mesmo para a família Ferreira Santos. “Enquanto as pessoas celebram, a gente lembra que foi nesse dia que o Estado matou meu irmão e, até hoje, se recusa a responder por isso.”

O assassinato de Marcelo Daniel integra uma longa lista de jovens negros mortos pela polícia na Bahia, estado que lidera rankings de letalidade policial no país. A impunidade seletiva não é falha: é política de Estado. A memória, nesse contexto, se torna ferramenta de enfrentamento.

“Enquanto eles tentam apagar, a gente lembra. Porque o que fizeram com meu irmão não pode ser esquecido”, conclui Matheus.

A história de Marcelo é sobre um Estado que mata, não investiga, não responsabiliza e aposta no tempo como estratégia de apagamento. Diante disso, a memória coletiva, a denúncia permanente e a luta das famílias seguem sendo as únicas forças capazes de enfrentar o racismo institucional que estrutura o sistema de justiça ao negligenciar vítimas negras, desde a promoção da morte até o arquivamento dos casos.

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