A voz da mulher quilombola na organização política

Aqui vou deixar o relato da ‘voz de uma Mulher Quilombola' e a importância das mulheres pertencentes de comunidades tradicionais quilombolas na organização política. Porque somos mulheres que estão em situação de alta vulnerabilidade

Por Sabrina da Costa[1]

Imagem: Sergio Amaral/Quilombo Biritinga (BA)/Ilustrativa

Aqui vou deixar o relato da ‘voz de uma Mulher Quilombola’ e a importância das mulheres pertencentes de comunidades tradicionais quilombolas na organização política. Porque somos mulheres que estão em situação de alta vulnerabilidade social; somos mulheres sem emprego que não temos acesso à educação porque geralmente não temos uma graduação ou ensino superior e, também não somos mulheres que estamos envolvidas politicamente em nada, e temos dificuldade de entender o processo político.

O fato é que os gestores municipais no meu município têm baixo compromisso com a pauta dos ‘quilombolas, mães solo e mulheres negras’. A população negra aqui ainda é sub-representada no parlamento, majoritariamente ocupado por pessoas patriarcalistas, machistas e brancas, a voz dos quilombolas e mulheres não são assistidas em todas as esferas, deixando de lado as necessidades dessa população pouco assistida, invisibilizando seus direitos de recursos humanos e direitos das leis da constituição da república federal.

As dificuldades de acesso à saúde, à cultura e à educação são invisibilizadas, não tendo nenhuma proposta, campanha, oficina ou trabalho social com nossa comunidade quilombola, deixando muitos em situações precárias, necessitando de cestas básicas, medicamentos, enxoval para recém nascidos, entres outros. Na área da saúde aqui no meu município com o impacto da pandemia COVID -19 não tivemos acesso à vacina para todos os remanescentes quilombolas, sofrendo racismo institucional por parte de alguns gestores públicos.

E com o impacto da pandemia muitas mulheres no quilombo ficaram desempregadas e sem acesso ao auxílio emergencial e municipal e com dificuldade em conseguir emprego devido à falta de formação acadêmica e de ensino básico. Muitas mães solo ficaram em situação de falta de apoio dos serviços públicos, e com o aumento das taxas econômicas deixaram muitas mães chefe de família em alta vulnerabilidade socioeconômica.

Quilombo Cristininha

Agora vou falar um pouco da cultura e educação do nosso quilombo. Um dos propósitos da associação quilombola Cristininha é zelar pelas tradições culturais, religiosas e folclóricas dos nossos ancestrais como a capoeira, dança de roda, congada, carnaval, entre outros, como artesanatos, acessórios e vestuários, comidas típicas, histórias.

A Secretaria de Cultura do nosso município até hoje não realizou nenhum contato com a comunidade quilombola. Somos uma associação organizada há um ano com estatuto, CNPJ e três anos certificada pela Fundação Palmares, mas não temos o território titulado. Vivemos todos no município de Caiapônia – GO, sendo quilombolas urbanos numa pequena cidade patriarcal sem desenvolvimento econômico e cultural.

Educação, palavra sábia para muitos, mas para nós, negras e negros, palavra de pouco acesso na comunidade Cristininha, muitos dos nossos são analfabetos principalmente os mais idosos. Os jovens têm pouco acesso às formações de Ensino Superior ou na atuação de trabalho formal. Na maioria das vezes, sofrem racismo dentro dos âmbitos educacionais seja pela cor/raça, classe social ou gênero, causando em muitos a falta de auto declaração e causando traumas psicológico na auto estima das pessoas negras de classe social vulnerável.

Somos importantes sim!

MULHERES QUILOMBOLAS NEGRAS devem ser inseridas em todas as esferas do governo, a sociedade brasileira tem que ouvir a VOZ dessas mulheres na participação política e construir um país democrático, com equidade e o desenvolvimento da paz, juntamente com as vozes dessas mulheres negras, mães solo, trabalhadoras árduas, vulneráveis e excluídas das políticas públicas, da assistência social, do direito à saúde, educação e cultura, além da falta de igualdade nos empregos e acesso a um salário digno.

Não deixando de analisar a natureza jurídica da participação política e quais as principais dificuldades à participação política na esfera formal. É importante estudar o modelo legislativo brasileiro de proteção à participação política da mulher e os entraves atuais à sua efetivação; analisar o princípio da igualdade entre os gêneros como instrumentos da efetivação da democracia; e propor mecanismos de fortalecimento para o modelo brasileiro legislativo de proteção jurídica à participação política da mulher, a fim de adequá-la às normas internacionais e constitucionais.

Nós, mulheres negras quilombolas, somos lideranças e resistência para combater a invisibilidade em todos os espaços, mas vou resumir nossa baixa representatividade a três fatores que considero centrais: o racismo estrutural, o machismo e a falta de empenho dos partidos para corrigir essa distorção.

Segundo o mapa Étnico Racial das Mulheres na política Brasileira, elaborado pela Confederação Nacional de Município, a baixa representatividade das mulheres negras nos espaços de poder se deve também à crença em um estereótipo. Após centenas de entrevistas, o Mapa concluiu que partidos e o próprio eleitorado tende a associar competência política a um perfil masculino, branco, heterossexual, casado e de boa posição econômica e social. Um estereótipo que, definitivamente, não nos comporta. Sobre nós, MULHERES NEGRAS, incide uma dupla discriminação, racista e a sexista – temos que ultrapassar outros obstáculos: vencer o machismo e o racismo.

A pauta política das mulheres negras tem especificidades e precisa de uma representação legítima e direta. Por isso precisamos eleger representantes negras, porque só quem vive a discriminação em suas múltiplas dimensões sabe a dificuldade que é, para que nós que construamos as cidades, estejamos também no centro da construção de pautas políticas antirracistas e anti-machistas em nosso Estado.

Num contexto multicultural e desigual, só avança quem tem legitimidade. Queremos políticas específicas de proteção social, de saúde e acesso à justiça, eliminando todas as formas de discriminação enfrentadas pelas mulheres negras ao acesso a serviços essenciais.

Não precisamos ser representadas. Podemos falar por nós mesmas. Eu, Mulher Quilombola, mãe solo, secretária da Associação Quilombola Cristininha (AQC), estudante de Promotoras Legais Popular (PLP), com ensino médio incompleto, deixo aqui meu ponto de vista, opiniões e dúvidas em meu relato de mulher negra quilombola.


[1] Quilombola de Caiaponia – GO, Quilombo Cristininha.

*Esse artigo faz parte do ebook “Reforma do Sistema Político: perspectivas regionais” lançado pela Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político e disponível em: https://reformapolitica.org.br/wp-content/uploads/2021/12/ebook_reforma_sistema_politico-3.pdf

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