Por Karla Souza
Pela primeira vez desde sua fundação, há 128 anos, a Academia Brasileira de Letras (ABL) terá uma mulher negra entre seus integrantes. A escritora, roteirista, publicitária e dramaturga Ana Maria Gonçalves foi eleita na última quinta-feira (10) para ocupar a cadeira número 33, com 30 votos entre os 31 possíveis. A vaga estava aberta desde a morte do gramático Evanildo Bechara, em maio deste ano.
Mineira de Ibiá, Ana Maria tem 55 anos e uma trajetória marcada pela literatura, teatro e pelo enfrentamento do racismo. Ficou conhecida em todo o país com o lançamento de “Um defeito de cor”, em 2006, obra que narra a vida de Kehinde, uma menina africana capturada como escravizada aos oito anos, que atravessa o Atlântico e retorna décadas depois ao continente africano, já como uma mulher livre. O romance é inspirado nas trajetórias de Luísa Mahin e Luiz Gama e venceu o Prêmio Casa de las Américas, em 2007.
Em 2024, Um defeito de cor foi o enredo da escola de samba Portela no carnaval do Rio de Janeiro, desenvolvido pelos carnavalescos André Rodrigues e Antônio Gonzaga e pelos pesquisadores Beatriz Chaves e Marcelo D. Macedo. O desfile foi premiado com o Estandarte de Ouro.
“Escritora, roteirista e dramaturga, ela é autora do aclamado romance Um Defeito de Cor, vencedor do Prêmio Casa de las Américas (2007) e eleito como melhor livro de literatura brasileira do século 21 por júri da Folha de S.Paulo, inspirou o samba-enredo da escola de samba Portela no carnaval de 2024 no Rio de Janeiro”, expressou a academia em suas redes sociais.
Mesmo tendo vivido fora do Brasil, especialmente durante os anos em que morou em New Orleans, nos Estados Unidos, Ana Maria seguiu participando ativamente do debate público no país. Foi escritora residente em universidades como Stanford, Tulane e Middlebury e manteve articulação com pautas ligadas à memória, literatura e justiça racial.
Em 2010, se posicionou sobre o debate envolvendo o livro As caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, denunciado por conter passagens racistas. A autora publicou artigos que aprofundaram a discussão e confrontaram o silenciamento sobre a representação de pessoas negras na literatura brasileira.
Anos depois, Ana Maria voltou a se manifestar publicamente após a veiculação de um comercial da Caixa Econômica Federal que retratava Machado de Assis com um ator branco. A escolha gerou reação de diversos setores, incluindo da escritora, que cobrou correções históricas. O banco acabou pedindo desculpas e produziu nova peça publicitária, dessa vez com um ator negro no papel do autor.
Além de Um defeito de cor, Ana Maria também é autora de “Ao lado e à margem do que sentes por mim” (2002), “Diversos” (2015), “Tchau querida” (2016) e coautora de peças como “Pretoperitamar” (2019), ao lado de Grace Passô.