Por Késsia Carolaine
O número de assassinatos de indígenas aumentou em 2024, enquanto as invasões e danos a terras indígenas diminuíram. É o que revela a nova edição do relatório anual do Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Segundo o Conselho, um dos motivos para o crescimento da violência contra esses povos é o marco temporal, que fragilizou seus direitos territoriais. O número de homicídios chegou a 211, contra 208 em 2023.
De acordo com os dados coletados pela organização, os três estados com mais registros de assassinatos de indígenas permanecem os mesmos: Roraima lidera com 57 vítimas, seguido pelo Amazonas (45) e Mato Grosso do Sul (33). A Bahia também apresentou um índice elevado, com 23 mortes. O documento ainda destaca que em 34% dos casos (71) eram jovens entre 20 e 29 anos.
Embora os assassinatos tenham aumentado, as invasões e danos a terras indígenas caíram de 276 para 230 registros. Apesar da redução, o problema continua grave, como explica Luis Ventura, secretário executivo do CIMI. “O número de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e conflitos relacionados a direitos territoriais permanece extremamente preocupante. Além dos dados quantitativos, percebemos uma intensificação da violência.”
Luis acrescenta que muitos ataques foram orquestrados, não espontâneos, e a impunidade agravou a situação. “Os ataques diretos, como os ocorridos contra o povo Ava Guarani no Paraná, os Guarani-Kaiowá em Mato Grosso do Sul e os Pataxó e Tupinambá na Bahia, revelam que os agressores se sentem protegidos. O Estado falhou em prevenir, combater ou apurar essas violências.”
O relatório também aponta um aumento nos casos de Violência Contra a Pessoa, que totalizaram 424 em 2024, um pequeno aumento se comparado ao ano de 2023, que acumulou 411 casos. As ocorrências incluem: abuso de poder (19), ameaça de morte (20), ameaças diversas (35), assassinatos (211), homicídio culposo (20), lesões corporais (29), racismo e discriminação étnico-cultural (39), tentativa de assassinato (31) e violência sexual (20).
Marco Temporal
A lei que estabelece o Marco Temporal entrou em vigor em 2024, coincidindo com o primeiro ano do governo Lula, e seu impacto já aparece em indicadores como o aumento de ameaças de morte (de 17 para 20) e suicídios (de 180 para 208). Seu texto prevê que a demarcação de terras indígenas deve considerar apenas as áreas ocupadas por esses povos na época da promulgação da Constituição Federal, em 1988. Essa tese é defendida por setores como o agronegócio. No entanto, organizações indigenistas afirmam que a Constituição reconhece que a terra pertence aos seus ocupantes originários antes mesmo da existência do Estado, portanto seria inconstitucional aplicar uma delimitação destas áreas.
O governo federal tem papel crucial na proteção dos povos originários, seja retomando as discussões sobre demarcação, seja fortalecendo políticas de combate à violência.
“É prioritário que o STF declare a inconstitucionalidade da Lei nº 14.701, e conclua o julgamento sobre o marco temporal. É essencial restabelecer a segurança jurídica para os indígenas, abalada pela promulgação e manutenção desta lei”, ressalta Luís Ventura.
Os dados do CIMI evidenciam um cenário alarmante: mesmo com a redução das invasões, a violência contra os indígenas atingiu níveis críticos em 2024. Enquanto o marco temporal alimenta conflitos, a omissão do Estado perpetua a impunidade. A solução exige que ações governamentais efetivas devam ser tomadas, e que elas possam garantir os direitos constitucionais dos povos indígenas.