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Cemitério de escravizados descoberto em Salvador (BA) pode ser aberto à visitação

Reconhecido como sítio arqueológico pelo Iphan, cemitério pode se tornar espaço de memória e espiritualidade para população negra
Imagem: Victória Nasck

Por Matheus Souza

O cemitério de pessoas escravizadas descoberto em maio deste ano no estacionamento da Pupileira, localizado no terreno da Santa Casa de Misericórdia, em Salvador (BA), foi oficialmente reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como Sítio Arqueológico Cemitério dos Africanos.

Além de reconhecer e autorizar os trabalhos de pesquisa realizados na área, o Instituto aprovou o relatório final, que incorporou algumas das recomendações feitas pela equipe da Arqueólogos, responsável pela pesquisa in loco. O pedido de homologação do sítio foi concluído no dia 24 de outubro, e logo depois o Iphan expediu um termo de interdição da área do estacionamento da Pupileira para prosseguimento dos trabalhos.

“Esse termo de interdição informa que a área não pode mais ser utilizada como estacionamento. O Ministério Público (MP) então emitiu uma nota reforçando a necessidade da suspensão da atividade de estacionamento no Cemitério dos Africanos”, conta Jeanne Almeida Dias, arqueóloga responsável por elaborar o projeto da escavação.

A pesquisadora informa que, graças ao processo, existe a garantia de que a área não será mais utilizada como estacionamento. O foco agora é a possibilidade de continuação da pesquisa arqueológica no local, onde a equipe pode aprofundar ainda mais as informações obtidas durante a janela inicial de observação.

Os pesquisadores também recomendaram ao MP que o espaço possa servir como um espaço de memória social e coletiva da cidade, principalmente para as pessoas pretas, demais populações marginalizadas e vulneráveis e também grupos religiosos que queiram realizar trabalhos ritualísticos na área, por exemplo. Segundo Jeanne, a vontade é que isso seja feito a partir de uma ampla escuta social, onde a população possa ser ouvida e seja inserida no processo de tomada de decisão.

“ Estamos tratando aqui de várias esferas sensíveis: a questão da dor; do processo de luto póstumo; dos estigmas sociais; do processo de reparação histórica; da reescrita e reestruturação desse espaço”, explica.

Memória e Resgate

Imagem: Universidade Federal da Bahia (UFBA)

A descoberta teve grande repercussão nacional e internacional, sendo possivelmente o maior cemitério de escravizados da América Latina, com uma estimativa de mais de 100 mil corpos enterrados no local. “Foi uma grande repercussão, mas entendemos que a escravização dos corpos negros não é um tema local ou regional, e sim mundial. A escravização ocorre em vários locais do globo terrestre, e deixa máculas em diferentes lugares”, comenta Jeanne.

O processo de escravização, através do tráfico de pessoas para diferentes partes do mundo, resultou no que hoje chamamos de Diáspora Negra. O sequestro e deslocamento forçado de diferentes grupos étnicos, e os estigmas que isso deixou para toda a população, é perceptível até o presente momento. Comunidades inteiras tiveram suas famílias separadas e suas linhagens perdidas para sempre. Esse é um dos muitos patrimônios que indíviduos negros talvez nuncam consigam recuperar: uma árvore genealógica mais extensa. 

“Além de toda a desumanização, nós, população negra, temos um lapso de memória gigantesco. Conseguimos chegar somente até certo ponto da nossa ancestralidade, por conta do processo de escravização. Hoje, por exemplo, eu tenho dois sobrenomes, e nenhum deles faz referência a nenhum dos meus antepassados a partir da 3ª ou 4ª geração. Esse sobrenome foi imputado por um colonizador, pelos sequestradores, pelos povos que implicaram violência nesses antepassados.”

A partir da reescrita dessa descoberta na paisagem urbana e na memória social da cidade, os arqueólogos que trabalham no Cemitério dos Africanos esperam contribuir  para essa discussão, ainda que tardia, para a luta por dignidade a essas vítimas que foram aterradas, e por reparação.

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