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Clássico da denúncia indígena no Brasil, ‘Nossos índios, nossos mortos’ ganha edição especial de 50 anos

A releitura será lançada nesta quarta-feira, às 18h, na Livraria da Travessa de Botafogo, no Rio de Janeiro (RJ)
Imagem: Edilson Martins

Por Elizabeth Souza

“O livro foi um chute na boca do estômago de um país amordaçado pela censura”, diz Edilson Martins, em entrevista à Afirmativa, relembrando o impacto do lançamento da primeira edição do seu livro “Nossos índios, nossos mortos”, nos anos 1970, em plena ditadura militar. Cinco décadas depois, a obra  – que se tornou marco do jornalismo de denúncia da causa indígena – acaba de ganhar uma nova edição, desta vez pela Letra Capital Editora. O lançamento acontece nesta quarta-feira (17), às 18h, na Livraria da Travessa de Botafogo, no Rio de Janeiro (RJ).

Imagem: Divulgação

A obra se destacou ao revelar violências que marcaram a história indígena no Brasil e a devastação da Amazônia. A nova edição preserva a essência da primeira e inclui novidades, como um prefácio inédito e uma crônica sobre Marina Silva, quando foi convidada a participar do primeiro governo Lula enquanto ministra do Meio Ambiente, pasta que ocupa atualmente; além dos textos originais de Antônio Callado e Apoena Meirelles.

O lançamento contará com um bate-papo entre o autor e o jornalista Ricardo Lessa, além da exibição de vídeos produzidos por Edilson Martins. Mais de 350 mil exemplares circularam da primeira tiragem, tornando a obra referência ao retirar a questão indígena do campo restrito dos especialistas e levá-la ao grande público.

Relatos de caciques como Mário Juruna e Raoni, bem como depoimentos de Orlando Villas-Bôas – indicado duas vezes ao Prêmio Nobel da Paz -, ajudam a compor a narrativa que alia memória, jornalismo e resistência. O relançamento ocorre em meio à preparação da COP30, em Belém, quando a pauta ambiental volta a ter projeção global. Para o autor, a leitura do livro continua urgente: “Sobre a nova edição, a reação que estamos vendo indica que o livro voltou a encontrar um público interessado nesse tipo de denúncia.”

Edilson Martins – Imagem: Divulgação

Revista Afirmativa [RA]: O que motivou o senhor a escrever “Nossos índios, nossos mortos”, num período em que a pauta indígena ainda não tinha a visibilidade que tem hoje?

Edilson Martins [EM]: Nos anos 70 vivíamos sob a ditadura. Fui preso no quartel que mais praticava tortura e assassinatos no país, na Rua Barão de Mesquita, no Rio. Ao sair, como repórter, não podíamos abordar política, e eu mesmo não podia trabalhar no Rio. Disseram-me que podia tratar de Amazônia e “índios”: naquela época os militares eram nacionalistas e [Marechal] Rondon era um ícone do Exército. Hoje isso mudou. Rondon foi até desdenhado pelo governo do capitão Bolsonaro.

RA: Quais as expectativas para o lançamento, que acontece em um ano em que o Brasil sediará a COP30, em novembro?

EM: A repercussão está sendo inédita, inclusive na grande imprensa. Tenho oito livros publicados, todos esgotados, mas nunca vi uma cobertura assim.

RA: Ao relançar a obra mais de 50 anos depois, o que o senhor percebe que mudou no Brasil em relação à causa indígena e o que permanece igual ou até piorou?

EM: Houve avanços em alguns espaços: nos anos 70 havia cerca de 100 mil indígenas; hoje já passam de um milhão. Eles ocupam cargos na Funai, têm ministério, estão nas universidades, em organismos internacionais como a ONU e até na Academia Brasileira de Letras. No entanto, a violência cresceu entre muitas dessas populações. Os Yanomami deram visibilidade ao drama, mas a maioria das comunidades continua com terras invadidas, sendo fuziladas por fazendeiros e sendo abandonadas por governos, sobretudo durante a gestão do Bolsonaro, quando se acentuou um processo de extermínio.

RA: A edição anterior vendeu mais de 350 mil exemplares. O senhor esperava esse impacto? E quais expectativas para a nova edição?

EM: Nas edições anteriores (Codecri, Pasquim e Círculo do Livro-Abril) tínhamos quase certeza de que seriam censuradas. Sobre a nova edição, a reação que estamos vendo indica que o livro voltou a encontrar um público interessado nesse tipo de denúncia.

RA: Como foi revisitar um texto escrito há mais de meio século e relançá-lo agora, em um momento político e ambiental tão delicado?

EM: Detesto reler textos antigos, mas precisei fazê-lo, e levei um choque. O livro percorre povos originários de Norte a Sul, de Leste a Oeste; eu não lembrava dessa amplitude. Desconfio que fui um dos primeiros repórteres freelancer do Brasil, colaborando simultâneamente para veículos como Jornal do Brasil, Manchete, Pasquim, TVs Globo e Manchete, TV Educativa, entre outros.  O livro foi um chute na boca do estômago de um país amordaçado pela censura.

RA: A crônica sobre Marina Silva é um acréscimo importante. Qual a relação entre ela e a memória do livro?

EM: Marina, herdeira política de Chico Mendes (que me concedeu sua última entrevista antes de ser assassinado) é uma guerreira. Ex-seringueira, ela nunca esqueceu a luta dos povos originários. Quando Lula a convidou em 2002 para integrar um eventual governo, eu estava ao seu lado, indo até a “colocação” no meio da selva onde viviam suas irmãs.

RA: Que conselho o senhor daria às novas gerações de jornalistas e escritores que desejam registrar as lutas sociais e ambientais com a mesma coragem e impacto que o senhor teve décadas atrás?

EM: Não sei bem aconselhar, sinto falta de coragem para isso. Nem sei se fui corajoso; o que me moveu foi a vontade de sobreviver e de contar histórias.

RA: Na sua opinião, quais características do livro o marcam como pioneiro do jornalismo de denúncia da causa indígena?

EM: Foi um livro pioneiro por ter aproximado o grande público de uma questão tão grave em plena ditadura, e mesmo assim não ter sido censurado. Isso, de fato, foi curioso. Mas não me vejo como pioneiro em nada, o que não deixa de ser verdade. Apenas participei de um tempo de terror e não poucas alegrias. Alegria e felicidade de ter conhecido caciques como o pataxó Tururin, o bororô Umeru, o xavante Juruna. E pessoas como Pedro Casaldáliga, os irmãos Villas Boas, os sertanistas Apoena Meireles, Zé Bel, Darcy Ribeiro e tantos outros. Desconfio que quase todos já bateram as botas. Minha hora já deveria ter chegado.

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