Entre o silêncio do opressor e as ações do antirracista

A conta da colonização que gerou séculos de juros às vidas negras parece estar chegando. A abolição que prometeu liberdade aos povos negros escravizados foi tão mal feita que não produziu outra coisa, senão o racismo.

Monique Rodrigues do Prado* / Imagem: AFP

A conta da colonização que gerou séculos de juros às vidas negras parece estar chegando. A abolição que prometeu liberdade aos povos negros escravizados foi tão mal feita que não produziu outra coisa, senão o racismo.

Entretanto, para desatar esse nó pós-colonial, o que tem sido percebido é que não basta falar de racismo, é preciso falar de antirracismo. Angela Davis e Lélia Gonzalez já nos deixaram essa mensagem através de seus estudos.

Com efeito, o antirracismo enseja na discussão dos privilégios da branquitude, o que Sue Borrego nomeou como “pacote invisível de benefícios”. Essa temática que até hoje gera negação por parte de alguns brancos, na verdade já fora enfrentada no campo acadêmico na tese de doutorado de Lia Vainer Schucman pelo USP, intelectual branca antirracista que escreveu: “Entre o encardido, o branco e o branquíssimo”.

Muitos brancos que estão indo às ruas do mundo inteiro gritar que “Vidas negras importam” seguram placas com as seguintes frases: “o silêncio dos brancos matam”, “o silêncio é igual a violência”, “não falar de racismo é um privilégio”, “o silêncio dá apoio a violência”, etc.

As placas nos demonstram que o maior benefício desse “pacote invisível de privilégios” é não precisar falar sobre racismo, pois como a branquitude por ser racialmente universal, não debate sobre cor uma vez que não sofre as consequências desse sistema de opressão, jogando no colo dos negros a responsabilidade de combater o racismo.

Mas a aderência de uma parcela massiva de brancos nas ruas tem feito com que ações antirracistas sejam parte do cotidiano das pessoas que acreditam nos pilares da dignidade humana e da justiça social, cuja maior responsabilidade nesse momento tem sido justamente não se manter no conforto do silêncio.

O que começou pautado exclusivamente com a violência policial aos poucos desencadeou outras discussões na dimensão estrutural da “civilização”, já que esse modelo de sociedade ocidental foi instituído a partir do olhar da branquitude. Assim, o escalamento desse movimento antirracista, hoje fixado na agenda global, tem feito como que os países necessariamente revisitem o seu passado.

Por isso vimos na Bélgica e na Inglaterra as estátuas dos colonizadores escravocratas que simbolicamente cravavam o fantasma da colonização como representantes heroicos da civilização sendo frontalmente atacados nos protestos.

No movimento antirracista há uma dialética entre as ações individuais e o coletivo, ou seja, as ações antirracistas individuais contribuem para chacoalhar status quo, embora não são suficientes para mudar o sistema sócio-jurídico que fora instituído para manter brancos perpetuamente no poder e na direção da humanidade.

Ao nosso leitor, fica o convite: Qual foi a primeira vez que você pensou sobre a sua cor? Pensar na sua cor te causa ou causou dor? Quantas pessoas negras você tem no seu ciclo social e em que posição socioeconômica elas se encontram? Há pessoas negras nos espaços que você frequenta (universidade, trabalho e organizações)? Você se sente desconfortável quando o assunto é racismo? Você costuma conversar com os seus amigos sobre assuntos que envolva raça?  Quando alguém faz uma piada de conotação racista sobre o cabelo ou a cor da pele no seu ciclo social você se cala ou se posiciona? Você usa a sua voz para empoderar pessoas que não são ouvidas? Você ainda entende que racismo é sobre um sentimento individual de quem o sente na pele ou já compreendeu que o racismo é um sistema de opressão que exclui negros e negras dos processos decisórios da sociedade?

Ler autoras e autores negros, pesquisar quem já está falando sobre o tema, usar a sua plataforma, não ficar em silêncio para opressão são formas práticas de contribuir à luta antirracista.

O antirracismo é sobre parear as lentes de quem vive diretamente sobre a opressão e de quem já está farto de operar em uma civilização que só apresenta como alternativa o ódio. É acima de tudo sobre uma sociedade que amadureceu e solicita como pilares de construção de um novo modelo social: o amor, respeito e complacência à dignidade humana, pois quem opera na lógica antirracista entendeu que a sobreposição de vidas e a indiferença são capazes de matar.

A vida é tão breve para você fechar os olhos às experiências coletivas. Abra a janela da alma e escute com o coração, pois no cenário de hoje contribuir à preservação e manutenção da vida caracteriza-se antirracismo. O mundo que estamos construindo não opera pelo ódio e pela opressão, mas pela coletividade.

 

*Advogada. Integrante da Comissão de Direitos Humanos da OAB – Subseção Osasco. Participa do Comite de Igualdade Racial do Grupo Mulheres do Brasil e da Educafro.

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