Por Catiane Pereira*
O jovem indígena Avá Guarani Everton Lopes Rodrigues, de 21 anos, foi encontrado morto e decapitado no último sábado (12), em uma área rural do município de Guaíra, no oeste do Paraná. O corpo de Everton, que é filho do cacique do Tekoha Yvyju Awary (Bernardo Rodrigues Diegro) foi localizado em um milharal na entrada da aldeia. Ao lado da cabeça, foi deixada uma carta com ameaças explícitas às comunidades indígenas da região.
O bilhete, assinado por um grupo que se autodenomina “Bonde 06 do N.C.S.O”, cita diretamente as retomadas de território tradicional feitas pelos povos Avá Guarani e ameaça atacar ônibus escolares, invadir aldeias, queimar pessoas vivas e até ir contra membros da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP). A carta também reivindica a autoria de outro assassinato ocorrido em março deste ano, quando Marcelo Ortiz, conhecido como Ku’i, de 33 anos, também foi encontrado decapitado em uma estrada rural de Guaíra.

Segundo relato do cacique ao portal G1, Everton havia saído para jogar futebol em uma comunidade vizinha e não retornou. A família foi informada durante a madrugada sobre a localização da cabeça do jovem, e, cerca de 150 metros dali, encontraram seu corpo e a motocicleta.
O crime ocorreu em meio a uma escalada de violência contra o povo Avá Guarani, que enfrenta ataques constantes após o início de novas retomadas de território tradicional na Terra Indígena Guasu Guavirá. A carta menciona diretamente essas retomadas e classifica os indígenas como “paraguaios” e tenta associá-los ao crime organizado. Para as lideranças indígenas, essa narrativa tem caráter xenofóbico e busca criminalizar a luta legítima pela reconquista dos territórios originários.
De acordo com o cacique Bernardo, o clima entre os Avá Guarani é de medo e insegurança. Lideranças denunciam ainda o uso de milícias privadas contratadas por setores do agronegócio para intimidar as retomadas indígenas na região.
Em nota, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Sul afirmou que “é de extrema urgência que as autoridades competentes investiguem as ameaças contidas no bilhete encontrado junto ao corpo do jovem Avá Guarani, que revelam novas intimidações, e implementem medidas eficazes para coibir tais atos”.
Até o momento, não há informações sobre suspeitos. A causa da morte, segundo foi informado aos indígenas, teria sido ferimento por arma de fogo antes da decapitação.
Em nota, a Polícia Civil do Paraná (PC-PR) informou que investiga o homicídio. Segundo a instituição, a vítima foi encontrada sem vida e materiais recolhidos no local foram encaminhados para perícia. O caso será repassado à Polícia Federal (PF), que assumirá as investigações.
O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) declarou, em seu site, que desde as primeiras horas após o crime acompanha o caso por meio do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), articulando-se com autoridades locais e federais para garantir a segurança das lideranças ameaçadas e o avanço das investigações. Segundo a pasta, o PPDDH acompanha 19 lideranças Avá Guarani no Paraná.
A Afirmativa entrou em contato com o Ministério de Justiça e Segurança Pública (MJSP), mas não obteve retorno até a publicação deste material.
Conflito histórico e lentidão na demarcação agravam cenário de violência
A Terra Indígena Guasu Guavirá, onde Everton foi encontrado, teve seus 24 mil hectares identificados e delimitados pela Funai em 2018, mas o processo de demarcação está paralisado por decisão judicial, após ação movida pelas prefeituras de Guaíra e Terra Roxa. Enquanto isso, os Avá Guarani vivem confinados em áreas pequenas ou em territórios retomados, sob constantes ameaças.
Desde o início das retomadas a violência aumentou. Em janeiro deste ano, um ataque a tiros na Terra Indígena Tekoha Guasu Guavirá deixou quatro feridos, incluindo uma criança. Além de episódios de violência registrados em 2024.
Os Avá Guarani enfrentam violações territoriais desde a década de 1930, agravadas pela construção da Usina de Itaipu nos anos 1980. Desde os anos 1990, o povo realiza retomadas de terras como forma de resistência. Em tentativa de reparação pelos impactos da construção da hidrelétrica, a Itaipu Binacional firmou acordo com a União para comprar até 3 mil hectares das áreas em disputa. No entanto, a aquisição das terras ainda não ocorreu, e as comunidades seguem vulneráveis em meio ao conflito.
*Com informações do Brasil de Fato e G1.