Mulheres negras do Sertão do São Francisco realizam caravana de mobilização rumo à 2ª Marcha das Mulheres Negras

Ativistas das dez cidades da região se reuniram para discutir a preparação da ida a Brasília e para falar sobre Bem Viver
Imagem: Ana Clara Martins

Por Patrícia Rosa

“Hoje eu estou marchando por melhorias para mim, que já estou nessa idade, e também para aqueles que ainda estão por vir.” Esse foi o motivo apresentado por dona Ovídia Isabel, de 77 anos, para participar da Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver, durante a Caravana do Sertão do São Francisco, realizada no último dia 10 de junho, no Centro de Cultura João Gilberto, em Juazeiro (BA).

O evento reuniu mulheres negras dos 10 municípios que compõem o território, em um momento de escuta, troca e fortalecimento. O objetivo era uniforme: organizar e falar da importância da Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver, que acontece em novembro deste ano, em Brasília. A manhã começou com uma pergunta potente, carregada de memória, emoção e luta: “Por que as mulheres negras estão em marcha?”. Uma provocação que abriu caminhos para reflexões profundas sobre passado, presente e futuro das presentes.

A busca por Reparação Histórica e Bem Viver ao Estado brasileiro consiste em exigir o reconhecimento da dívida com a população negra, especialmente no pós-abolição, por meio de políticas redistributivas, para garantir um país onde mulheres negras possam viver de forma digna e segura.

“As mulheres negras são as que mais sofrem violência doméstica e feminicídio, porque a sociedade brasileira construiu valores que as colocam em posições de vulnerabilidade. Como reverter isso? Quem se responsabiliza? Buscar reparação é um caminho para nos aproximar de uma sociedade do Bem Viver”, afirmou Gabriela Ashanti, que compõem o Comitê Estadual da Marcha e é ativista do Odara – Instituto da Mulher Negra.

Segundo o IBGE,80% da população de Juazeiro (BA) se autodeclara negra. Mulheres negras compõem a maioria da população local, segundo o Atlas Brasil. 

Ceres Santos, ativista, professora e integrante do Comitê do Sertão do São Francisco, ressaltou a importância da marcha para movimentar as mulheres da região, em um encontro que reuniu ativistas do Movimento Sem Terra, pescadoras, quilombolas e estudantes. “É importante perceber que a marcha está movimentando mulheres de diversos territórios. Essa sala hoje é isso, somos nós unidas, de diversas expectativas, anseios, regiões e classes sociais.”

Durante a tarde, as mulheres debateram sobre a organização e dificuldades vivenciadas pelo do Comitê do Território do Sertão do São Francisco. As ativistas também construíram estratégias para levantar fundos, discutiram possíveis parcerias para garantir ônibus rumo à Brasília e dividiram os grupos de trabalho da região.

Vozes do território 

Israiane Brito, estudante da Universidade Estadual da Bahia (Uneb) e trancista, refletiu sobre a importância dos passos das suas mais velhas. “Assim como as minhas antepassadas marcharam a caminho dos quilombos, hoje eu marcho para que as próximas gerações sejam  fortalecidas, que elas tenham autoestima  e entendam suas potencialidades.” 

Luhara Dávilla, uma jovem negra trans, presidenta do Instituto Dandara, vê a Marcha como uma oportunidade de ampliar a visibilidade e continuidade na luta da comunidade trans por direito e existência com qualidade e Bem Viver. Para ela, é fundamental garantir que os corpos trans sejam respeitados e que suas trajetórias sejam reconhecidas. A ativista destacou dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), que registrou o assassinato de 122 pessoas trans e travestis no Brasil em 2024. Do total, 117 eram travestis ou mulheres trans. Entre os casos, 78% eram mulheres negras.

“Eu marcho para dar visibilidade para corpos como o meu, dissidentes. Eu luto para incluir minhas irmãs transexuais e travestis não só no movimento negro, mas também no  feminista. Para continuar dando voz às que já fizeram a passagem, sigo na luta, que um dia foi delas e continuará sendo nossa”, afirma Luhara.

Uma década de luta coletiva 

A Marcha das Mulheres Negras é um movimento constante e vivo nos territórios brasileiros. Há 10 anos, em 18 de novembro de 2015, às ruas de Brasília (DF) foram tomadas por 100 mil mulheres que marcharam na histórica “Marcha das Mulheres Negras contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver”. Aquele dia se tornou um marco na luta antirracista e feminista negra no Brasil.

Compartilhar:

plugins premium WordPress