No mês do Orgulho LGBTQIA+, Projeto de Lei que dá visibilidade às pessoas trans é rejeitado na Câmara Municipal de Aracaju

De acordo com relatório da Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (Antra), em todo Brasil, no ano passado, 175 pessoas trans foram mortas. Só nos quatro primeiros meses deste ano, chegamos à marca de 56 assassinatos transfóbicos. Foi analisando esses dados e no intuito de contribuir para evitar essas violências, que a vereadora Linda Brasil (PSOL-SE)

O projeto é da primeira vereadora trans de Aracau (SE), Linda Brasil, que vê a rejeição do projeto como transfobia institucional

 

Por Andressa Franco

De acordo com relatório da Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (Antra), em todo Brasil, no ano passado, 175 pessoas trans foram mortas. Só nos quatro primeiros meses deste ano, chegamos à marca de 56 assassinatos transfóbicos. Foi analisando esses dados e no intuito de contribuir para evitar essas violências, que a vereadora Linda Brasil (PSOL-SE) propôs na Câmara Municipal de Aracaju o Projeto de Lei nº 7/2021, que incluiria oficialmente ao calendário de eventos da cidade, a Semana de Visibilidade Trans, como forma de ajudar na desconstrução de preconceitos e estimular o poder público a realizar debates e promover ações que defendem a vida desta população.

Com oito votos contra, sete a favor e duas abstenções, o projeto foi rejeitado na Câmara na última quarta-feira (16). A data sugerida à inclusão no calendário de eventos de oficiais de Aracaju é o dia 29 de janeiro, data escolhida por ser a mesma do lançamento oficial da campanha “Travesti e Respeito”, promovida pelo Ministério da Saúde, em 2004, que se tornou um marco para a luta protagonizada por militantes travestis.

“De acordo com o regimento interno da Câmara, esse projeto só pode ser apresentado de novo no próximo ano. Tudo bem que fosse reprovado, mas se tivesse justificativa, e não tem, porque é um evento que já acontece na cidade, é um projeto educativo, que só vai fazer com que os movimentos pressionem a Prefeitura a executar ações de conscientização sobre o respeito à diversidade, sobre as questões envolvendo o nome social, para ajudar essas pessoas”, explica a vereadora, que percebe a rejeição do projeto como uma tentativa de barrar sua atuação política.

O que incomoda, afirma Linda, foi a falta de justificativas por parte dos vereadores para votar contra. “O primeiro vereador votou ‘não’, aí acontece algo que é muito grave no parlamento, na nossa democracia, que é o voto de boiada. Um vota ‘não’, os outros também votam sem analisar”.

Para a vereadora, a única justificativa para rejeição do projeto é a transfobia institucional, posicionamento que, segundo ela, incomodou os demais parlamentares, que a acusaram de ser desrespeitosa. “Justamente a primeira vereadora trans que ocupa esse lugar ameaça a democracia e não eles que sempre dominaram e negaram pautas importantes em relação aos direitos humano?”, questiona.

Os vereadores que tentaram justificar o voto contrário argumentaram que não existe diferença de tratamento entre as pessoas. Os dados, no entanto, apontam na direção contrária. Ainda de acordo com as informações da Antra, mais de 90% das travestis e mulheres trans brasileiras só encontram trabalho no mercado informal, principalmente na prostituição, e que, devido à condição de invisibilidade, a população trans não tem acesso aos direitos básicos como educação, saúde e moradia.

Trajetória Política

Linda Brasil é formada em Letras e mestranda em Educação, nasceu na cidade de Santa Rosa de Lima e, em 2016 decidiu ingressar na política, alcançando 2.306 votos para o cargo de vereadora, mas não se elegeu devido ao coeficiente eleitoral. O que se repetiu em 2018, quando concorreu a deputada estadual e foi votada em todos os 75 municípios. Nas eleições do ano passado, conseguiu se eleger, ocupando a cadeira como a vereadora mais votada da capital do estado.

“Eu comecei a me conscientizar sobre a importância da participação mais direta na política quando ingressei na Universidade Federal de Sergipe (UFS) com 40 anos, em 2013, quando, no primeiro dia de aula, a instituição não aceitou colocar meu nome social no registro. Precisei solicitar a todos os professores em cada semestre, pedir, me humilhar para o professor colocar o nome de lápis na relação. Isso já é um obstáculo para que a gente não permaneça nesses espaços, na academia, na política”, relata.

Linda, que foi a primeira mulher trans a ingressar na UFS, lembra que um dos professores, além de se negar a usar seu nome social, falou em voz alta para toda a turma o seu nome de registro. A partir dessa indignação, contou sua história nas redes sociais e entrou com um processo administrativo, que gerou a portaria que regulamenta o uso do nome social na instituição.

Fortalecida pelo apoio que ia encontrando no movimento estudantil, em coletivos queer e transfeministas que compôs e ajudou a fundar, se juntou a movimentos sociais para criar a Semana da Visibilidade Trans. Até se filiar ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), e receber o convite para se candidatar pela primeira vez. Agora eleita, ela pensa que seu cargo político é um sinal de esperança, mas também de incômodo.

Os primeiros seis meses de atuação na Câmara, relata, foram marcados por silenciamentos e constrangimentos. Assustada com os ataques que recebeu depois das eleições, entrou com uma ação judicial no Departamento de Atendimento a Grupos Vulneráveis [Delegacia de Polícia em Aracaju], que, segundo a vereadora, está investigando e já ouviu algumas pessoas.

“A transfobia não é só xingar, executar, violentar fisicamente, é uma violência psicológica, é uma perseguição política por trazer pautas que vão de encontro com algumas ideologias, principalmente fundamentalistas, e a gente está em um Estado laico, não podemos usar nossa crença religiosa dentro do parlamento, porque isso sim é uma ameaça à democracia”, pontua.

Hoje, um dos desafios que Linda observa, é a pressão dos demais vereadores ao presidente da Câmara Municipal de Aracaju para montar com urgência a Comissão de Ética, que ainda não está formalmente composta, e levar o nome da vereadora para ser avaliado pela mesma.

“Eu vejo isso como uma tentativa de interromper nossa atuação. É um espaço que não foi feito e pensado para nós, a gente precisa de uma diplomacia política, mas isso não quer dizer vamos silenciar. Vou buscar resistir, se eles vierem com uma ação para cassar o meu mandato eu levar até o STF, até a Corte Interamericana dos Direitos Humanos, para onde for”, desabafa.

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