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Os resultados da pesquisa nacional “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços públicos e privados” acabaram de ser publicados. A iniciativa é da Fundação Perseu Abramo, em colaboração com o Sesc São Paulo. Essa é a segunda parceria consecutiva entre as instituições e o terceiro estudo realizado pela fundação. Nesta edição, os números indicaram que nos últimos 10 anos houve aumento das desigualdades de gênero perceptível principalmente pelo empobrecimento de mulheres, em especial, das mulheres negras.
“Ainda que tenham avançado em nível de escolaridade, os salários e postos de trabalho não acompanharam o crescimento. A elevação da escolaridade não alcançou toda sociedade, uma vez que houve aumento das pessoas que não sabem ler nem escrever. Esse empobrecimento atinge sobretudo as mulheres negras – 59% têm renda familiar de até dois salários mínimos”, explica a cientista social Sofia Toledo, que é mestra em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora analista do Núcleo de Opinião Pública, Pesquisas e Estudos (NOPPE) da Fundação Perseu Abramo.
A investigação atual, realizada ao longo de 2023, avaliou seis eixos temáticos: imagem da mulher – machismo e feminismo; corpo, sexualidade e saúde das mulheres; violência contra as mulheres; proteção social e política de cuidados; trabalho remunerado e não remunerado; e cultura política e participação. O levantamento contou com entrevistas domiciliares, nas cinco regiões geográficas, e foi dividido em duas fases: uma qualitativa, com 65 mulheres cisgêneros e transgêneros, e outra quantitativa, em que foram entrevistadas 2.440 mulheres e 1.221 homens.
Entre os resultados, identificou-se um aumento na percepção de que a vida das mulheres piorou em relação à década passada: 25% delas considera que há mais coisas negativas em ser mulher do que positivas. Entre os aspectos negativos, foram destacados a desigualdade no mercado de trabalho e a violência: metade das entrevistadas já sofreu violência. As violências psicológica e moral são pouco reconhecidas – 2% e 1%, respectivamente, nos registros espontâneos –, mas são as mais vivenciadas, chegando a 43% e 37%, respectivamente, nas respostas estimuladas.
Ainda sobre os indicativos de violência, 91% das mulheres conhecem a Lei Maria da Penha; entre os homens, o conhecimento subiu de 85%, em 2010, para 89%. Contudo, quatro em cada 10 mulheres que relataram estupro apontaram que o agressor era o companheiro (42%), 58% das que sofreram violência não pediram ajuda e 71% não denunciaram oficialmente o episódio. Duas a cada 10 mulheres que admitiram ter sofrido violência foram orientadas a não denunciar – o aviso partiu principalmente de pessoas da própria família.
Conservadorismo e retrocessos
Mesmo com o avanço de políticas públicas voltadas para as mulheres nos últimos anos, o crescimento do conservadorismo contribuiu para alguns retrocessos. Houve uma redução da quantidade de mulheres que se declaram feministas quanto à edição de 2010. Entretanto, foi identificado um crescimento e aprimoramento sobre o feminismo como um elemento de luta por direitos. Também há uma percepção mais ampla do machismo tanto por mulheres e homens – no entanto, apenas um a cada 10 homens se considera machista.
Em relação aos direitos reprodutivos, 50% das mulheres e homens não são favoráveis que as leis atuais sobre o aborto permaneçam como estão. Evidenciando a falta de políticas reprodutivas, 71% das mulheres que interromperam a gravidez não tiveram acompanhamento ou orientação médica.
A saúde das mulheres gestantes também ganhou destaque nesta edição, 75% delas fazem acompanhamento da gestação pelo SUS e 50% se sentem satisfeitas com o serviço público de saúde. Cerca de 25% das mulheres sofreram violência física ou verbal durante o parto – crescimento na última década. A gravidez na adolescência ainda é uma realidade brasileira, três a cada quatro mulheres têm filhos e a primeira gravidez é cedo – cerca de quatro em cada 10 mulheres têm o primeiro filho antes de completar a maioridade.
Ainda são as mulheres as principais responsáveis pelo cuidado: 99% dos domicílios têm uma mulher como principal responsável pelos afazeres domésticos; 66% das mulheres são as principais responsáveis pelos cuidados com as crianças quando elas não estão na escola, e 23% as deixam aos cuidados da mãe ou da sogra. Cerca de 50% das mulheres que têm crianças as criam sozinhas, sem participação de outra pessoa.
Na atuação política, o interesse diminuiu nos últimos anos para uma a cada quatro mulheres. A importância da política para mulheres recuou de 80% (2010) para 71% (atual). Apenas 8% das mulheres participam ou já participaram de grupos, associações, coletivos, organizações, cooperativas, conselhos ou algum outro movimento social. Apenas 11% das mulheres participam de comícios, passeatas, atos ou manifestações públicas. A maioria das mulheres e pouco mais da metade dos homens admitem que há preconceito e discriminação contra as mulheres na política.
Sobre a realidade financeira das mulheres brasileiras, houve um aumento no número de domicílios que têm uma mulher como principal provedora. Porém, a renda média das mulheres é 40% inferior a dos homens. A proporção de mulheres com renda abaixo de um salário mínimo é o dobro da dos homens: 44% ante 21%. Cerca de 16% das mulheres não têm renda alguma. Também foi detectado um aprofundamento da informalidade entre as mulheres e maior formalização entre os homens.Para saber mais sobre as desigualdades financeiras que atingem as mulheres, em especial as mulheres negras, confira o “Desigualdade no Bolso – Justiça Fiscal para Mulheres Brasileiras”.