Pesquisadores localizam cemitério de escravizados desaparecido há quase dois séculos, em Salvador (BA)

O Ministério Publico do Estado da Bahia se reuniu com a Santa Casa de Misericórdia da Bahia para discutir a permissão da pesquisa arqueológica no local

Da Redação

A Santa Casa de Misericórdia da Bahia tem até o próximo dia 24 de fevereiro para responder ao Ministério Público da Bahia (MP-BA) se aceita firmar um termo de cooperação para realizar estudos sobre um antigo cemitério de escravizados que pode estar localizado sob o Estacionamento da Pupileira, no bairro de Nazaré, em Salvador (BA). 

O cemitério em questão foi criado no século 18 e manteve suas atividades por cerca de 150 anos, sendo administrado inicialmente pela Câmara Municipal, e depois pela Santa Casa. No local, foram sepultados escravizados, pobres, indigentes, suicidas e encarcerados.

“O enterro de africanos pagãos equivalia, sem meias palavras, a remoção de lixo. A preocupação em enterrá-los bem não objetivava dar-lhes sepultura decente, mas evitar a disseminação de doenças”, relata o historiador João José Reis no livro “A Morte é uma Festa”. Com o tempo, o terreno passou a ser encarado como um problema de saúde pública, sendo fechado em 1844, e desaparecendo da paisagem urbana.

Para comprovar a suspeita de que ele possa ser encontrado no estacionamento que pertence à Santa Casa, é preciso escavá-lo. Por isso o MP-BA se reuniu com a irmandade católica no último dia 29 de janeiro, para discutir uma minuta de um termo de cooperação que permita uma pesquisa arqueológica.

O encontro foi presidido pelo promotor de Justiça Alan Cedraz, coordenador do Núcleo de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural do MP-BA (Nudephac), e pelas promotoras Cristina Seixas Graça, Luiza Amoedo e Lívia Sant’Anna Vaz. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) também enviou um representante para a reunião. Vale ressaltar que o imóvel é tombado, e abriga um museu e uma faculdade. 

Mas a projeção é que a escavação dure apenas de três a dez dias, e interdite apenas uma ou duas vagas do estacionamento, que serão posteriormente reconstituídas. 

“Esse achado tem o potencial de abalar as bases coloniais e racistas dessa cidade. O cemitério trata desse direito à memória, direito à verdade e ao luto. Então eu acho que o impacto vai ser enorme porque se trata de um apagamento proposital”, declara Silvana Oliveiri, doutoranda em Urbanismo da Universidade Federal da Bahia (UFBA), pesquisadora por trás da descoberta, que localizou o perímetro a partir de um cruzamento de mapas e relatos históricos.

Além de contribuir para a preservação de patrimônio histórico, está entre as expectativas da empreitada encontrar os restos mortais dos africanos que protagonizaram a Revolta dos Malês, que ocorreu em 1835 e é considerado o maior levante urbano contra a escravização no Brasil.

Uma vez encontradas as provas materiais, o cemitério em questão se juntará a outros que também estavam desaparecidos. Como o Cemitério dos Pretos Novos, encontrado acidentalmente em 1996 no Rio de Janeiro; e o Cemitério dos Aflitos, primeiro cemitério público de São Paulo, criado em 1775 e descoberto durante pesquisa arqueológica em 2018.

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