Moradores afirmam que policiais chegaram atirando e jogando gás lacrimogêneo, durante a madrugada desta terça-feira (1ª)
Da Redação
Imagem: Felipe Iruatã
Em mais um caso de violência policial, que marca o genocídio da juventude negra e periférica, três jovens morreram na madrugada desta terça-feira (1) após serem baleados em uma ação da Polícia Militar. O caso aconteceu na comunidade Solar do Unhão, localizada na região da Gamboa, em Salvador.
Os moradores relatam que os policiais chegaram por volta das 2h da manhã, já atirando e jogando gás lacrimogêneo. Alexandre dos Santos, de 20 anos, Cleberson Guimaraes, de 22 anos, e um adolescente de 16, Patrick Sapucaia, foram as vítimas fatais da ação da polícia. Um vídeo que circula na internet mostra os moradores vaiando os policiais militares após a ação, com gritos de “assassinos”.
A versão da Polícia Militar diz que houve troca de tiros, e que, após terem sido baleados, foram encontradas armas e drogas com eles. Narrativa negada veementemente pelos moradores e familiares, que contam que os três rapazes estavam bebendo em um bar, comemorando o período de Carnaval, quando foram levados pelos PMs para uma casa, onde foram executados. O local teria sido lavado pelos policiais em seguida. O Departamento de Polícia Técnica (DPT) foi acionado para fazer a perícia nessa casa.
Uma moradora chegou a interromper a entrevista de um policial na Gamboa para uma emissora, quando este alegou a troca de tiros. “Não foi troca de tiros, não diga isso que não foi troca de tiros”, afirmou garantindo ainda ter as imagens gravadas em seu celular.
A mãe de Alexandre, a garçonete Silvana dos Santos, reforçou ao G1 que os militares chegaram no local disparando contra a população, e que teve negado seu pedido para ver o filho baleado. “Eles chegaram atirando. Eu não tenho que esconder meu rosto, porque eu não sou uma criminosa. Eu cheguei e falei: ‘moço, eu quero ver meu filho’, e eles apontaram as armas para mim. Eu sou uma criminosa? Se eu fosse criminosa, eu estava mostrando meu rosto?”.
“Eles fizeram isso, deram tiro na população, executaram com sangue frio. Na Gamboa de Baixo não tem só traficante e ladrão, tem moradores, gente de bem, tem crianças. Eles têm que fazer o trabalho deles, a população não mexe, mas chegar da forma que chegaram, dando tiro e matando, tá errado”, relatou uma parente de Alexandre. “A polícia chegou dando um monte de tiro, ainda abriu a minha torneira para lavar o sangue dos meninos, que eu vi pequenos. Meu sobrinho, que eu peguei no colo e vi desde criança. Um bom menino, que não teve o direito de se defender”.
Em resposta às três vidas ceifadas pelos agentes que deveriam proteger a população, um grupo de moradores se reuniu para protestar na Avenida Lafayete Coutinho, ou Avenida Contorno, e pedir o fim da violência policial na comunidade.
Uma das manifestantes, Alana Bezerra, conversou com o tenente-coronel Nilson, comandante da Polícia Militar Comunitária, que fazia as negociações de liberação da avenida, e disse que Alexandre morreu pedindo ajuda. Ela afirmou que os policiais da ação impediram que a mãe do jovem prestasse socorro ao filho, confirmando a versão de Silvana.
Silvana, de 48 anos, tentou impedir que Alexandre, segundo dos seus oito filhos, fosse levado pelos policiais. Mas, teve uma arma apontada para sua cabeça. “Eu tentei salvar o meu filho, mas um policial botou a arma na minha cara. Ele ainda estava com vida, pedindo socorro, dizendo que ia morrer. Mas infelizmente não consegui impedir que matassem o meu filho. Botaram ele e os outros no porta-malas da viatura e saíram”, declarou ela ao jornal Correio, amparada por moradores.
O rapaz trabalhava vendendo roupas por encomenda na própria Gamboa. Ontem, ele voltava na casa da namorada e parou em um dos bares da comunidade para beber com os amigos, quando, relata a mãe, foi rendido pelos policiais.
No local dos protestos, o tenente-coronel informou que os policiais já haviam sido ouvidos na Corregedoria, e que uma perícia seria feita. E acrescentou ainda que os policiais estiveram no local após uma denúncia de que as vítimas haviam feito uma pessoa de refém.
“A denúncia que tivemos é de que estava havendo uma troca de tiros e tinha um refém. Aí quando chegou aqui, eles já começaram a trocar tiros com a polícia”, disse o tenente-coronel ao G1.
Já o comandante-geral da PM, coronel Paulo Coutinho, apelou para que os manifestantes liberassem a via, “para que não tenhamos que atuar com uma força dissuasora”. E ainda classificou as mortes dos três moradores como “efeitos colaterais” da ação da PM.
A Articulação dos Movimentos e Comunidades do Centro Antigo de Salvador e entidades baianas divulgaram uma nota conjunta em repúdio contra a ação da Polícia Militar. O texto pede justiça, e também o afastamento e a responsabilização dos envolvidos nas mortes dos jovens.
“A violência policial permanece como prática corriqueira e naturalizada contra moradores da Gamboa de Baixo. Os depoimentos de testemunhas apontam que as mortes dos jovens não foram decorrentes de resistência e que não houve qualquer reação ou troca de tiros. A polícia não agiu em legítima defesa! Afirmamos que toda pessoa tem direito à vida, ao devido processo legal e a um julgamento imparcial, sendo inadmissíveis execuções arbitrárias como aconteceu”, diz um trecho da nota.
As entidades chamam atenção ainda para o fato de a Polícia Militar da Bahia ser considerada a mais letal do Nordeste, além de líder em mortes por chacinas, segundo dados do relatório “A vida resiste: além dos dados da violência”, da Rede de Observatórios da Segurança. Números que reforçam a política do estado de genocídio da população negra.
Não é o primeiro caso de violência policial na Gamboa de Baixo, comunidade tradicional do início do século XX. Autodeclarada comunidade pesqueira, a região é classificada como Zona Especial de Interesse Social-ZEIS 5 na Lei Municipal no 9069/2016, Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Salvador. Região onde o Estado chega apenas por meio das suas forças policiais, mas que carrega uma luta histórica para se manter, recebendo tiros ao invés de estrutura para viver com dignidade, que reivindicam como sujeitos e sujeitas que têm seus direitos e sua humanidade constantemente negados.