Quilombolas de todo o país ocupam as ruas de Brasília durante a 2ª Marcha Aquilombar

Com o tema “Ancestralizando o futuro”, o movimento cobrou do governo federal celeridade no processo de titularização de terras quilombolas e chamou atenção para comprometimento com emergência climática

Por Elizabeth Souza

“Se não vêm nossos direitos, o Brasil perde também”, foram essas algumas das palavras de ordem que atravessaram canto a canto na II Marcha Aquilombar, realizada nesta quinta-feira (16), em Brasília (DF). Com o tema “Ancestralizando o Futuro”, o evento reuniu comunidades quilombolas de diversas regiões do país, que marcharam até a Esplanada dos Ministérios em um ato de reivindicação por direito à terra e ao Bem Viver. 

Momentos antes da saída da marcha, uma pesquisa que circulava nas redes sociais chamava atenção: 98,2% dos territórios quilombolas estão ameaçados no Brasil. Os dados são de um levantamento inédito, lançado também nesta quinta-feira, pelo Instituto Socioambiental (ISA) em parceria com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), organizadora do Aquilombar. O estudo mostra que as ameaças são referentes a obras de infraestrutura, empreendimentos minerários e por sobreposições de imóveis particulares.

Os dados reforçam as palavras proferidas do alto do carro de som pelo coordenador executivo de Juventude da  Conaq, Celso Araújo. “Não queremos regularizar, porque não há nada irregular, queremos titulação quilombola.” 

Palavras alinhadas com as da integrante do coletivo de Educação da Conaq, Maria Páscoa Sarmento, do Quilombo Barro Alto, em Salvaterra, Ilha do Marajó (PA). 

“Por isso é simbólico e objetivo estar em Brasília, porque aqui é o centro do poder, é aqui onde são definidas as políticas públicas, é aqui que estão as pessoas que definem o rumo da nação. Então, precisamos estar fazendo essa ação para que esse governo e esse Estado brasileiro nos enxerguem enquanto sujeitos de direitos.”

Bandeira da Conaq entre os quilombolas que participavam da marcha – Imagem: Elizabeth Souza

Direitos que, no entanto, sofrem reiterados processos de morosidade por parte do governo federal e dos órgãos submetidos a ele. De acordo com o Censo de 2022, os quilombolas representam 1,3 milhão da população brasileira. Apesar disso, uma análise da organização Terra de Direitos mostrou que pode levar 2.708 anos para que 1.857 quilombos com pendências no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) sejam titularizados.

“Sem essa reparação efetiva dos territórios, todas as outras políticas públicas tendem a não dar certo”, alerta Selma Dealdina, liderança da Conaq e uma das organizadoras da Marcha Aquilombar. 

O futuro é ancestral

Na esperança de novos rumos, num andar compassado e sob um sol escaldante, adultos, crianças, jovens e idosos quilombolas cruzaram as ruas da capital federal. No olhar de cada presente, via-se a firmeza e o encorajamento coletivo que atravessava os corpos enfileirados e ganhava formas nas cantigas e gritos que cortejavam todo o trajeto. Uma dessas pessoas era dona Ana Maria, 74 anos, da Comunidade Quilombola de São Félix, em Cantagalo, Minas Gerais. 

“Tenho muito orgulho de ser quilombola e estou aqui pelos meus e também por toda essa gente que luta por direitos. Minha bisavó foi escravizada e eu luto por ela também”, afirmou dona Maria, que enxerga na luta da juventude a continuidade do legado ancestral quilombola. Assim como Jesuslene, 63 anos, moradora do Quilombo Raízes do Congo, em Itumbiara, Goiás. “A juventude precisa ir em frente, não pode parar”, cravou.

Dona Jesuslene, 63 anos, moradora do Quilombo Raízes do Congo, em Itumbiara, Goiás – Imagem: Elizabeth Souza

Em meio às perspectivas de futuro, a preocupação com as mudanças climáticas também se apresenta como um ponto central. Devido aos frequentes episódios de desastres ambientais provocados pela ação do ser humano, como os que têm acontecido no Rio Grande do Sul, os quilombolas falam da urgência em mudar a rota em prol da preservação da “terra mãe” e, assim, garantir o futuro defendido no lema da marcha. 

“A nossa existência, nosso modo de vida não pode ser sem a natureza, até mesmo porque entendemos a nossa existência totalmente conectada, porque nossos povos, em sua maioria, caçam, coletam, plantam e colhem de um solo que precisa estar saudável, de uma água que precisa estar boa e de uma floresta que nos garante sustento”, explica Maria Sarmento. Para ela, existe uma constante profanação do que os povos tradicionais consideram sagrado. 

“É da natureza que também tiramos nossa energia, porque para nós ela tem sacralidade, são sagrados, isso a gente percebe do ponto de vista prático, quando olhamos o sistema nacional de florestas e percebemos que as áreas mais protegidas estão em territórios quilombolas e indígenas”, finalizou. 

Programação

Além da marcha, o Aquilombar contou com uma programação que aconteceu durante toda a quinta-feira. Mística, café da manhã, apresentação das caravanas estaduais, feira quilombola, mesa de abertura, almoço e exibição de documentário, foram algumas das atividades que aconteceram no local. Na parte da manhã também foi entregue aos ministros do governo federal uma carta final do Aquilombar, contendo as principais demandas dos povos quilombolas no Brasil.  

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