Salvador (BA) teve 85 interrupções do transporte público em um ano devido à violência armada, mostra estudo

O levantamento denuncia a violação do direito à mobilidade urbana especialmente nos bairros periféricos da capital baiana, em decorrência de operações policiais.

Por Andressa Franco

Entre agosto de 2023 e 2024, Salvador (BA) teve 30 bairros afetados por 85 interrupções de transporte público por questões relacionadas à segurança pública e eventos com arma de fogo, inviabilizando o direito à mobilidade e o direito à cidade. Os números são do levantamento inédito “Catraca Racial: o impacto da segurança pública na mobilidade urbana da capital da Bahia”, realizado pela Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, Observatório da Mobilidade de Salvador e Instituto Fogo Cruzado.

Das 85 interrupções, ao menos 19 estavam associadas a ações policiais. Mas para a maioria (57), não há informações das circunstâncias.

O documento argumenta que os dados são reflexo da “guerra às drogas” criada pelo Estado, e que na verdade nunca foi contra substâncias, mas contra pessoas, sobretudo pessoas negras. 

Dudu Ribeiro, diretor executivo da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, explica que a população negra e periférica de Salvador sofre até mesmo para permanecer em suas comunidades, devido aos conflitos recorrentes produzidos por um modelo violento de segurança pública. Mas também sofre se precisa deixar a sua moradia para acessar direitos em outras áreas da cidade.

“Se não há mobilidade urbana, compromete-se o direito à saúde, educação, renda, lazer. É como se o Estado construísse uma catraca racial não visível a todos os olhos, mas que define quem, quando e para onde pode se mover na cidade de Salvador”, afirma.

Se somadas as horas de interrupção no transporte público (316), foram 13 dias sem mobilidade urbana na capital baiana nesse período. Os bairros impactados, mostra o estudo, são de maioria residente negra.

Em Mussurunga, por exemplo, moradores enfrentaram 14 dias de interrupção no transporte, com 7 dias seguidos sem ônibus — a interrupção mais longa registrada. O bairro é seguido por:

  • Fazenda Coutos e Valéria (8 interrupções cada);
  • Pernambués (6);
  • Águas Claras (5)
  • Nordeste de Amaralina e Engenho Velho da Federação (4 vezes cada)
  • Beiru/Tancredo Neves e Mirantes de Periperi (3 vezes cada)
  • Boa Vista de São Caetano, Santa Cruz, Santa Mônica, Narandiba, Pirajá, Engomadeira e IAPI (2 vezes cada)
  • Alto das Pombas, Fazenda Grande do Retiro, São Caetano, Conjunto Pirajá, Paripe, Periperi, Capelinha, Castelo Branco, São João do Cabrito/Plataforma, Barragem de Ipitanga, San Martin, Ilha Amarela, Jardim Nova Esperança, Barreiras, Cajazeiras e Arenoso (1 vez cada)

A dificuldade para acessar serviços básicos na cidade através do transporte público por conta das suspensões temporárias decorrentes de conflitos armados, também compromete a renda da população dos bairros populares e negros de Salvador, conforme chama atenção Daniel Caribé, membro do Observatório da Mobilidade em Salvador.

“[A suspensão] provoca imobilidade urbana temporária ou obriga as pessoas a caminharem longas distâncias para ter acesso ao serviço, se ele continua funcionando no bairro vizinho. Outros, sem alternativa, recorrem ao transporte irregular, aos mototáxis ou aos aplicativos. Tudo isso corrói a renda dessa população já vulnerável, rouba tempo de vida e tira o acesso a outros direitos, como educação, saúde, lazer e trabalho”.

Repercussões econômicas essas que também podem impactar em relação à locomoção e acesso aos empregos e serviços dos moradores.

Tailane Muniz, coordenadora do Instituto Fogo Cruzado na Bahia, lembra que a mobilidade precária e a violência urbana são problemas históricos para a população mais pobre da cidade. 

“Quando a violência armada interfere de forma tão direta na oferta de um serviço fundamental como o transporte público, é porque há algo muito errado na política de segurança e isso não deve ser naturalizado”, ressalta. 

A prefeitura foi questionada pelos pesquisadores sobre a existência de alguma política ou plano específico para garantir a continuidade do transporte público em áreas afetadas por violência urbana. O órgão informou que existe uma minuta de criação do comitê de crise, sugerida pela Cofat (Coordenadoria de Administração e Fiscalização), e já encaminhada para DIT e Gabinete (GAB) da Secretaria de Mobilidade Urbana (Semob). O documento sugere “a participação de representantes de Semob, Integra, Sindicato dos Rodoviários e Secretaria de Segurança Pública, onde prevê a busca de soluções para garantia da continuidade dos serviços de transporte público em áreas afetadas por violência urbana”.

A pesquisa foi feita com base em dados da Rede de Observatórios da Segurança e do Fogo Cruzado, além de informações obtidas pela Lei de Acesso à Informação (LAI) e pelo Sindicato dos Rodoviários.Para acessar o estudo completo, clique aqui.

Compartilhar

plugins premium WordPress