Por Laila Oliveira*
Estamos vivendo um momento em que tudo é midiatizado. Denúncias têm ocorrido a cada minuto e, através de smartphones, violências são rapidamente expostas a milhares de olhos atentos em stories nas redes sociais. Sem dúvida, as redes sociais contribuíram para descortinar o que antes era facilmente invisibilizado e não chegava aos olhos e ouvidos das pessoas: abordagens discriminatórias em lojas, extermínios nas periferias e insultos racistas nos mais diversos lugares, entre outras formas.
As ações do movimento negro brasileiro ganharam novos formatos e alcançaram milhares de pessoas, sensibilizando segmentos da sociedade que, até então, não discutiam a questão racial com tanto afinco como hoje presenciamos. O tema tem ganhado espaço em podcasts, séries e vídeos com alcance em diversas plataformas e para inúmeras pessoas, o que também tem gerado uma pressão para que empresas e organizações do terceiro setor estejam cada vez mais aderindo às políticas de diversidade e inclusão para se adequar.
No entanto, apesar de aparentemente mostrarem compromisso nas fases de recrutamento em seus editais, incluindo quesitos como prioridade para pessoas negras, mulheres, mães, LGBTs e pessoas com deficiência, na prática, não apresentam condições de permanência para essas pessoas ou políticas de enfrentamento ao assédio que possam protegê-las de possíveis violências no ambiente de trabalho.
A situação se agrava quando somamos a suscetibilidade de pessoas negras em ambientes de trabalho serem vítimas de racismo e a pressão causada pelo aumento do desemprego no segmento. Segundo dados do DIEESE divulgados em 2024, a taxa de desocupação de pessoas negras no 2º semestre foi de 8%, enquanto a de não negros foi de 5%. Quando se trata de mulheres negras, essa taxa aumenta para 10%.
Se considerarmos as altas taxas de desemprego, é possível compreender que muitas das vítimas de assédio em ambiente de trabalho silenciam por medo de perder o emprego. É uma equação que mantém os praticantes de violência seguros de que não serão expostos ou denunciados.
Essa tem sido uma realidade frequente no Brasil, e as consequências são diversas, desde sofrimento mental até o agravamento das condições de saúde física, muitas vezes levando a quadros de ansiedade, depressão e outras doenças relacionadas ao ambiente laboral hostil. Além disso, o silêncio imposto pelo medo de retaliações perpetua a cultura de impunidade para os agressores e o desamparo para as vítimas.
A questão do racismo no ambiente de trabalho não é isolada; é reflexo de um sistema estrutural que privilegia alguns em detrimento de outros. A falta de políticas robustas de enfrentamento ao assédio e à discriminação é um dos principais entraves para garantir a inclusão real e a equidade nos espaços profissionais.
Além disso, a maioria dos cargos de chefia é destinada a homens e pessoas brancas. O estudo do DIEESE divulgado em 2023, denominado As dificuldades da população negra no mercado de trabalho, aponta que pessoas negras ocupam apenas 33,7% dos cargos de direção e gerência, e 46% estão em trabalhos desprotegidos.
O aumento da precarização do trabalho, especialmente entre mulheres negras, mães solo e trabalhadores informais, têm acentuado a vulnerabilidade desses grupos em contextos de opressão e violência no ambiente de trabalho.
Os dados reforçam que a branquitude, conceito amplamente discutido por Cida Bento, continua a mostrar sua eficácia enquanto sistema que privilegia pessoas brancas e as mantém no poder de decisão. Uma comprovação é o estudo feito pela Fundação Dom Cabral em parceria com a Page Executive, que constatou que mais de 90% dos CEOs no Brasil são homens brancos.
Embora as redes sociais tenham desempenhado um papel fundamental para dar visibilidade a essas questões e pressionar as empresas a adotarem discursos alinhados à diversidade e inclusão, a transformação efetiva ainda é lenta. A exposição pública de casos muitas vezes gera um impacto imediato, mas nem sempre resulta em mudanças estruturais ou na reparação justa às vítimas.
Nesse cenário, torna-se fundamental que organizações comprometidas com a diversidade invistam não apenas em processos seletivos inclusivos, mas também em treinamentos contínuos para conscientização de seus colaboradores e colaboradoras, criação de canais seguros para denúncias, acompanhamento psicológico e jurídico das vítimas e, principalmente, na responsabilização efetiva de agressores.
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*Jornalista, mestra em comunicação (UFS), doutoranda em Sociologia (UFS) e Estudos Étnicos e Africanos (UFBA). Atua na Auto-Organização de Mulheres Negras de Sergipe Rejane Maria. Mãe de Enzo e Bento 🌿
** Este é um artigo de opinião que está dentro da nossa política editorial, mas não reflete necessariamente o posicionamento da Revista Afirmativa