Último ato do Museu de Arte Negra de Abdias Nascimento e o longo caminho para aquilombar as galerias de arte

Em dezembro de 2021 visitei pela primeira vez o Inhotim, maior museu a céu aberto do mundo, localizado em Brumadinho (MG), cidade que ficou famosa por ser vítima do maior crime ambiental do Brasil

Por Jonas Pinheiro

Imagem: Icaro Moreno 

Em dezembro de 2021 visitei pela primeira vez o Inhotim, maior museu a céu aberto do mundo, localizado em Brumadinho (MG), cidade que ficou famosa por ser vítima do maior crime ambiental do Brasil – o rompimento da barragem da mineradora Vale, que matou 270 pessoas em 2019.

Em 2021 tratava-se do 1º ato da exposição do Museu de Arte Negra (MAN), idealizado por Abdias Nascimento, um dos mais importantes nomes do movimento negro brasileiro. Dois anos depois, volto a visitar o museu, desta vez para o 4º e último ato da exposição intitulado: O Quilombismo: Documentos de uma Militância Pan-Africanista

Este Ato traça um panorama da vida de Abdias Nascimento (1914-2011), para além das obras de arte. Em oito núcleos, a exposição nos traz a polivalência das realizações do poeta, dramaturgo, ator, escritor, artista e político, sempre norteado pelo pensamento libertador das populações negras. Nele também, ocorreu a estréia da adaptação da peça escrita pelo artista para o Teatro Experimental do Negro (TEN), Sortilégio – Mistério Negro. Com o elenco majoritariamente negro e sob direção de Adyr Assumpção, a peça foi brilhantemete encenada também no Inhotim como parte da programação.  

Adaptação de Sortilégio – Mistério Negro, peça escrita por Abdias Nascimento para o Teatro Experimental do Negro e censurada na ditadura – Imagem: Jonas Pinheiro

Há 2 anos, no 1º ato, minha reflexão quase todo o tempo perpassava pelo fato dos museus brasileiros serem ainda um espaço branco e pouco acolhedor para as pessoas negras. Visitar um lugar como aquele para mim era de certa forma um choque, um estranhamento, um incômodo. A Galeria Mata, onde estavam presentes as obras de Abdias, em contrapartida, me acolhia. Os colegas negros/as presentes, apesar de ainda poucos, me faziam também sentir esse acolhimento.

Em seu livro Quilombismo, cuja as primeiras edições se encontram na entrada da Galeria, Abdias fala que: “quilombo quer dizer reunião fraterna e livre, solidariedade, convivência, comunhão existencial”. Ao adentrar na exposição, desta vez com cada vez mais colegas negros/as presentes, o questionamento de dois anos atrás ainda assim permaneceu. Como fazer do Inhotim e dos museus brasileiros um Quilombo, como queria e vislumbrou um dia Abdias?

Certamente a resposta perpassa por uma cadeia muito maior do que minhas divagações e do meu “pouco conhecimento sobre arte”.  Sem dúvidas passos têm sido dados, e o próprio Museu de Arte Negra é um deles. No mesmo dia de lançamento do último ato, a artista negra  Luana Vitra, ocupou a Galeria Marcenaria com a exposição Giro (2023). Recentemente em Salvador, o Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (MUNCAB) foi reaberto. 

Como disse Julio Menezes, coordenador do projeto Museu de Arte Negra virtual, organizado pelo Instituto de Pesquisa e Estudos Afro-Brasileiro (IPEAFRO): “A porta foi aberta, e nós estamos entrando. Entramos com Abdias Nascimento, hoje tem outros artistas pensando e contestando este espaço. Avançou sim, mas evidentemente a gente não consegue mudar do jeito que a gente gostaria em apenas dois anos.”

Apesar destes avanços, o caminho ainda é longo e árduo. Durante o evento, uma colega jornalista negra comentava comigo sobre seu incômodo com uma das exposição do Inhotim, a única naquele local em que as mulheres negras se encontram representadas. Na Galeria Miguel Rio Branco, trabalhadoras sexuais negras de um bairro pobre do Pelourinho escancaram nuas e com seus sexos a mostra as paredes do museu. Fotografias que passam quase despercebidas, sem nenhum questionamento ou estranhamento dos que transitam ali, majoritariamente brancos, como o autor das fotos.

Galeria Miguel Rio Branco – Imagem: Inhotim/Divulgação

A arte também é uma maneira de se aquilombar, e Abdias sabia disso. Cabe a nós, contestar e tornar cada vez mais os museus um espaço para pessoas negras. Certamente o MAN é um passo para isso, mas ainda há toda uma estrada a se percorrer (talvez uma maratona).

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