17 trabalhadores são resgatados em trabalho análogo à escravidão no Ceará

Apenas 10 dias depois do Dia Nacional de Combate ao Trabalho Análogo à Escravidão, que acontece no dia 28 de janeiro, a primeira operação de auditores-fiscais do trabalho no Ceará em 2023 resgatou 17 homens cearenses em condições de trabalho análogas à escravidão.

As vítimas estavam em condições péssimas de moradia e com jornadas exaustivas de trabalho, sem acesso a banheiro ou água potável

Por Andressa Franco

Imagem: Divulgação

Apenas 10 dias depois do Dia Nacional de Combate ao Trabalho Análogo à Escravidão, que acontece no dia 28 de janeiro, a primeira operação de auditores-fiscais do trabalho no Ceará em 2023 resgatou 17 homens cearenses em condições de trabalho análogas à escravidão.

Eles foram encontrados em atividades de extração de pedras, paralelepípedos, cerâmica e construção civil. A operação começou no dia 30 de janeiro e terminou no dia 7 de fevereiro.

O número de vítimas resgatadas na ação corresponde em mais da metade o de trabalhadores resgatados no estado em 2022, quando foram libertados 29 trabalhadores. O número colocou o estado na 16ª posição no ranking nacional em número de trabalhadores resgatados, e na 13ª posição em número de ações de combate ao trabalho escravo realizadas, o que equivale a 11 em todo o ano de 2022.

As vítimas não tinham acesso a instalação sanitária, chuveiro ou água potável

De acordo com informações dos auditores-fiscais do trabalho do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), foram fiscalizados 12 estabelecimentos nos municípios de Quixadá, Morada Nova, Russas, São Gonçalo do Amarante e Itaitinga. Destes, o único em que não foram encontradas condições análogas à escravidão foi em Morada Nova.

Sobre as condições de vida dos trabalhadores, o GEFM informou que todos estavam em condições péssimas de moradia e com jornadas exaustivas de trabalho. Não havia instalação sanitária, nem chuveiro disponível. Eles também não tinham acesso a local apropriado para preparar e manter alimentos, nem à água potável para consumo de todos. Nenhum deles tinha registro em carteira de trabalho.

Uma das instalações disponíveis para os trabalhadores – Imagem: Ministério do Trabalho e Emprego

Havia ainda duas pessoas menores de idade trabalhando em pedreira e cerâmica e mais 108 trabalhadores sem o registro em carteira de trabalho.

Em entrevista ao portal Alma Preta, o chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae), Maurício Krepsky, afirmou que as vítimas retornaram para suas residências com os devidos valores de salários e indenização por dano moral. Os cearenses também terão direito a três parcelas de seguro-desemprego especial de trabalhador resgatado, emitidas pelos auditores-fiscais.

Os responsáveis foram notificados a regularizar o vínculo dos trabalhos irregulares encontrados, quitar as verbas rescisórias das vítimas resgatadas e dos menores de idade afastados. Além de recolher o FGTS e as contribuições sociais previstas de todos os trabalhadores.

De acordo com apuração do Alma Preta, nos últimos dias 6 e 7 de fevereiro foram realizados os pagamentos das verbas rescisórias aos trabalhadores resgatados e menores de idade afastados, no montante aproximado de R$ 100 mil. Também foram firmados termos de ajustes de condutas junto ao Ministério Público do Trabalho e Defensoria Pública da União e negociados danos morais individuais no valor de R$ 25 mil.

Participaram da ação fiscal de resgate, além da Inspeção do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho (MPT), a Defensoria Pública da União (DPU), o Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF).

Vale destacar que impor condição de trabalho análogo à escravidão é crime previsto no Artigo 149 do Código Penal, com pena de dois a oito anos de reclusão e pagamento de multa.

Maioria dos resgatados são negros e nordestinos

Segundo o chefe da Detrae, ainda não há os dados de perfil completo dos trabalhadores resgatados neste ano. Mas os dados das pessoas resgatadas de trabalho análogo à escravidão no Ceará em 2022 mostram que todos eram homens, 38% tinham entre 18 e 24 anos, todos residiam no Nordeste, 93% eram naturais da região e 89% se autodeclararam negros.

É um quadro que não difere dos resgatados em todo o país. Só no último ano, 83% das vítimas resgatadas se autodeclararam pretas. Sendo o Nordeste a região da maioria dos resgatados (51%); 58% nasceram na região.

Combate à escravidão contemporânea encontra gargalo no investimento para fiscalização

Em 2022, foram resgatados 2.575 trabalhadores em condições análogas à escravidão em 432 operações, uma média de sete pessoas por dia. Os dados são do Ministério Público do Trabalho (MPT), que recebeu 1.973 denúncias. Um número 39% maior do que o registrado em 2021.

Em entrevista para a Afirmativa na matéria No Brasil, sete pessoas são resgatadas todos os dias em condições análogas à escravidão, a advogada e presidente do Instituto Trabalho Decente, Patrícia Lima, avalia que realizar fiscalizações encontra como principal gargalo a redução drástica do número de auditores fiscais. Há 10 anos o país não tem concurso para Auditor Fiscal do Trabalho.

Se trata de um trabalho que demanda recursos humanos e financeiros que, de acordo com Patrícia, não estão chegando. “Se não tem ação de fiscalização suficiente, não tem resgate. Não é que o problema não existe, ele está em todas as cadeias produtivas do Brasil. Fiscalizando se identifica”, pondera.

Soma-se a isso as particularidades desse trabalho na zona urbana e na zona rural. Em 2022, foram 1.982 resgates na zona rural, e 593 na urbana. Apesar da significativa diferença, para Patrícia, são números subdimensionados, e o maior desafio de fiscalização se dá na zona rural, onde os casos são muitas vezes invisíveis aos dados.

Isso porque se tratam de locais mais isolados, com os trabalhadores mantidos em fazendas com vastas extensões. O que dificulta o trabalho de vistoria das equipes.

O perfil das vítimas também não surpreende a advogada. “Isso só faz sentido numa sociedade onde algumas pessoas são vistas como menos detentoras de direito e dignidade do que outras”, declara Patrícia. Sabemos quem são essas pessoas: pobres, negros, nordestinos, migrantes.

Como denunciar

Desde 2020, as denúncias de trabalho escravo podem ser registradas de forma anônima no Sistema Ipê, plataforma digital criada pela Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT). Outras ferramentas de denúncia são o aplicativo Pardal, do MPT, o Disque 100 e o aplicativo Direitos Humanos BR.

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