O papel do SUS como ferramenta de acolhimento para as mulheres vítimas de abuso sexual

O que você consegue fazer em 4 minutos? Escutar uma música, beber um copo de água, checar se tem mensagens no WhatsApp? Quatro minutos não é considerado um período longo, certo?

Por Jaianne Costa 

O que você consegue fazer em 4 minutos? Escutar uma música, beber um copo de água, checar se tem mensagens no WhatsApp? Quatro minutos não é considerado um período longo, certo? No Brasil, esse é o intervalo de tempo entre uma violência sexual e outra contra mulheres. 

Segundo dados coletados pelo Ministério da Saúde em 2018, a cada quatro minutos uma mulher dá entrada no Sistema Único de Saúde (SUS) vítima de violência sexual no país. Neste cenário, o SUS significa mais do que uma assistência imediata, atuando como peça fundamental no combate à violência e no acolhimento das vítimas.

Um exemplo disso foi o caso de Milena*, vítima de abuso sexual que preferiu não se identificar. Ela conta que, em 2022, conheceu um homem através do Tinder, aplicativo de relacionamentos, e após alguns meses se conhecendo e marcando encontros em locais públicos, decidiu ir até a casa do agressor, local onde foi violentada. “O clima estava bom, eu estava gostando, mas ele começou a ser agressivo e eu não me senti mais à vontade. Pedi para ele parar, diversas vezes, mas ele continuou. Foi desesperador, me senti dilacerada, invadida, violentada em todos os níveis.”

Imagem: Agência Brasil

A vítima conta que não denunciou o caso e demorou para buscar ajuda. “Depois da violência em si, o pior momento é quando você realmente se dá conta que aconteceu com você. É uma fase que você está completamente frágil e vulnerável, precisando de ajuda, seja ela qual for.” 

Milena é uma mulher negra, sem recursos financeiros e, na época, tinha 26 anos de idade. Quando buscou ajuda no SUS, semanas depois do ocorrido, a vítima conseguiu pela primeira vez se sentir acolhida. “Eu não contei para os meus pais ou amigos, a primeira pessoa que falei tudo, em voz alta, foi para a enfermeira. Ali, naquele atendimento, me senti segura pela primeira vez desde muito tempo.” 

Atualmente Milena segue acompanhada pelo SUS para tratar do HPV, infecção sexualmente transmissível que ela apresentou após a violência sexual. Porém, infelizmente, não conseguiu tratamento psicológico devido às longas filas de espera.

Quem acompanha de perto este cenário é Bárbara Moraes, enfermeira que já atendeu diversas vezes mulheres vítimas de violência sexual durante seus plantões. “São muitos os casos, eu tenho medo de um dia acabar me acostumando com isso, porque faz parte do meu trabalho, mas eu sempre penso que isso não pode ser normalizado e que esses casos não deveriam fazer parte do meu cotidiano.”

Bárbara diz que o procedimento é padrão e que precisa seguir o protocolo, mas que ela busca formas de manter a vítima confortável. “Muita coisa mudou nos últimos anos em relação ao tratamento das vítimas. Hoje realizamos o atendimento que inclui exames médicos e acompanhamento de uma psicóloga e assistente social.”

Porém, infelizmente, nem sempre esse atendimento acontece de forma adequada. Juliana* também foi vítima de violência sexual na adolescência, aos 14 anos. Ela conta que sua mãe precisava sair para trabalhar e seu vizinho se ofereceu várias vezes para cuidar dela e do seu irmão e, em um desses momentos, trancou o seu irmão no quarto e a violentou. “Ele era uma pessoa de confiança da minha mãe, conhecíamos ele há anos e, mesmo assim, ele fez o que fez. Na época eu não tive coragem de contar, ele me ameaçou e eu me sentia culpada.” 

Atualmente com 22 anos, Juliana relembra que sofreu o abuso durante meses. “Na última vez ele foi extremamente agressivo, tanto que eu sangrei e precisei ir ao hospital Eu lembro nitidamente de um enfermeiro homem, que não estava responsável pelo meu caso, comentar com um colega de trabalho coisas como ‘chegou mais uma, eu não sei o que essas garotas fazem para se meter nisso’”, relata a jovem. “Não houve cuidado ao tratarem do meu caso, não houve cuidado ao falarem com a minha mãe o real motivo de eu estar ali. Eu só tinha 14 anos, eu era uma criança e escutei absurdos daqueles profissionais.”

Quanto custa a vida de uma mulher?  

Nos últimos 4 anos, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, 94% dos recursos no orçamento para combater a violência contra mulheres foi cortado, segundo levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC). Esse corte impactou tanto o SUS quanto projetos sociais e redes de acolhimento, que são o único recurso para mulheres em situação de vulnerabilidade social.

Mariane Ferreira, ativista e pesquisadora dos direitos da saúde da mulher, defende que o SUS possui um papel gigante no acolhimento às vítimas, mas que a falta de orçamento e preparação adequada da equipe de funcionários podem ocasionar traumas às vítimas. “Em comparação às décadas anteriores, a saúde pública evoluiu bastante, mas ainda assim temos um longo caminho a percorrer. É preciso ter capacitação e supervisão para os profissionais de saúde e reais mudanças culturais, afinal, os trabalhadores acabam reproduzindo uma cultura machista e misógina do nosso país, reverberando desigualdades de classe, gênero e raça.”

Diariamente, milhares de mulheres são vítimas de violência sexual no Brasil. Essas mulheres precisam ser enxergadas, precisam de suporte social e psicológico, precisam de um lugar seguro e confortável para estar, precisam, em alguns casos, de tratamentos médicos duradouros. 

O SUS é fundamental e extremamente necessário nessa luta, mas é preciso mais recursos para salvar a vida dessas mulheres!

Se você é vítima de violência, busque ajuda e denuncie. Ligue para 180, atendimento que presta escuta e acolhida qualificada às mulheres em situação de violência. 

*Nomes fictícios para preservar a identidade da vítima

Esta reportagem faz parte da série: Vozes Insurgentes de Mulheres Negras contra as violências sexuais

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