Por Richard Santos*
A capital baiana foi palco de um evento histórico entre os dias 29 e 31 de agosto de 2024: a “Conferência da Diáspora Africana nas Américas”. Reunindo líderes de mais de 50 países, o evento destacou-se por promover debates intensos sobre temas como Pan-Africanismo, Memória, Restituição, Reparação e Reconstrução, o que gerou forte engajamento nas redes sociais.
O evento foi organizado pela União Africana e pelo governo do Togo, em parceria com o Governo Federal do Brasil e o Governo do Estado da Bahia, com apoio da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
A conferência teve como objetivo central o fortalecimento dos laços entre as nações da diáspora africana e a promoção de políticas de reparação, justiça social e preservação da memória afrodescendente. Durante os três dias de debates, foram abordados temas como Pan-Africanismo, Restituição de bens culturais e Reconstrução de sociedades afetadas pelo colonialismo e escravidão.
Convidado pelos organizadores para a construção do texto base, em especial o tema pan-africanismo, que desenvolvi junto com o colega da Costa do Marfim, Prof. Gnaka Lagoke, participei ainda da consolidação do texto final da conferência e entrega do documento, após aprovação da assembleia geral, no dia 31/08, em reunião com os representantes de Estado presentes.
Tomando como base teórico-metodológica o conceito de Pan-Africanismo, movimento político e cultural que visa a unificação e solidariedade entre todos os povos de ascendência africana, nascido no final do século XIX, o movimento tem sido uma força motriz na luta contra o colonialismo e o racismo, promovendo a ideia de uma África unida, bem como o fortalecimento das relações entre os países da diáspora africana. Deste modo, a “União Africana” (UA), organização intergovernamental composta por 55 estados membros, é uma entidade chave nesse movimento, buscando promover a integração econômica e política do continente africano e suas diásporas.
É deste prisma de integração para o desenvolvimento que observo como de grande estratégia a proposta apresentada por membros da União de Negros pela Igualdade, UNEGRO, e apoiada por todos os presentes, de uma Agência Pan-africana de Desenvolvimento, sediada preferencialmente em Salvador, Bahia. Aqui, tomo a liberdade de transcrever o que consta no item 03 da “Carta de Recomendações da Diáspora Africana”:
_”Com o espírito do estabelecimento da 6º Região da União Africana, o Grupo de Planejamento Pan-africanista insta a União Africana a estabelecer uma agência permanente, preferencialmente em Salvador, Bahia, como um meio/ferramenta para restaurar o histórico do Pan-africanismo que reconheça a contribuição de mulheres, jovens, movimentos sociais de base, etc., com o fim de desenvolver uma consciência pan-africana entre as coletividades de povos africanos, utilizando tecnologias tradicionais e novas”.
Este ponto é o primeiro dos treze pontos elencados na carta de recomendações que estruturam o fazer, e como fazer da agência.
Sendo precedido por dois pontos iniciais que tratam da filosofia Ubuntu como central para o Pan-africanismo no século XXI, caracterizando-se pela unidade na diversidade entre os povos africanos e da diáspora. Ademais, o item 02 da carta de recomendações que incide sobre o reconhecimento dos esforços em busca de reparações, reforma das instituições internacionais e políticas internas dos estados, aumentando a representação dos países africanos e diaspóricos em organizações e fóruns internacionais sobre temas de interesses em comum, vai ao encontro dos interesses do Estado brasileiro que há algumas décadas pleiteia a reforma das instituições criadas no contexto do pós-guerra europeu.
Ainda no âmbito da realidade concreta, que atinge em especial os povos do SUL global, chamo a atenção para o item 08 da “Carta de recomendações” sobre os extremismos no contexto da novas tecnologias comunicacionais, a necessidade de regulação, e a ampliação da representatividade de pessoas negras nos espaços das redes. Mas, para uma melhor leitura, transcrevo o item 08 abaixo em sua integralidade:
_ “Combater o racismo algorítmico no contexto das novas tecnologias através da regulação, a ampliação da representação de pessoas negras nas redes sociais, a garantia de integridade da informação em relação com a história da África e da Diáspora e o estabelecimento de uma base de dados aberta com informação relevante para a preservação da memória africana e diaspórica”.
Finalizada no último sábado, 31/08, a Carta de Recomendações será apresentada no 9º Congresso Pan-Africano, previsto para acontecer na cidade de Lomé, entre 29 de outubro e 2 de novembro de 2024, no Togo. O documento de alto valor estratégico reúne propostas focadas no fortalecimento do Pan-Africanismo, na ampliação do intercâmbio entre as nações da diáspora e na promoção de políticas de reparação e justiça social
Ademias, o evento, além de solidificar Salvador e o Estado da Bahia, como um epicentro de debates sobre a identidade afrodescendente, demonstrou a força crescente do Pan-Africanismo na luta global por um futuro mais justo e igualitário. Em tempos de extremismos acirrados, um caminho pelo centro unificador da Maioria Minorizada no sistema mundo global.
*Richard Santos, Hamilton Richard Alexandrino Ferreira dos Santos é escritor, pesquisador, docente e extensionista da Universidade Federal do Sul da Bahia. Está Pró-reitor de Extensão e Cultura da UFSB. É credenciado à Pós-graduação em Ensino e Relações Étnico-raciais, e ao Programa de Pós-graduação em Estado e Sociedade. Coordena o Grupo de Pesquisa Pensamento Negro Contemporâneo e o Programa de Extensão Jornada do Novembro Negro. É Conselheiro do Instituto Commbne. Foi Decano do Centro de Formação em Artes e Comunicação da UFSB; Propôs e coordenou a criação do curso bacharelado em jornalismo da UFSB. Coordena o Selo literário Pensamento Negro Contemporâneo, junto a editora Telha. Tem uma carreira pregressa como artista/ativista multimídia, conhecido como Big Richard. Atuou por mais de 20 anos como repórter, apresentador e produtor em emissoras comerciais e públicas de televisão. É proponente e coordenador do Canal UFSB- Canal de TV aberta público da UFSB. É pós-doutor pelo PÓS-CULTURA da Universidade Federal da Bahia (UFBA); Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Brasília (UnB), Mestre em Comunicação pela Universidade Católica de Brasília; é membro da INTERCOM, Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares em Comunicação, e da Latin American Studies Association, LASA. É autor dos livros Maioria Minorizada – Um dispositivo analítico de racialidade (2020) e Branquitude e Televisão – A nova África (?) na TV pública (2º edição, 2021), ambos publicados pela Editora Telha. É membro do RESPEITAR Centro de Referência em governança para a equidade, antidiscriminacao e sustentabilidade social. Seu mais recente livro autoral é “Mídia, Colonialidade e Imperialismo Cultural – O caso comparado da TV pública no Brasil e Argentina (2023).
** Este é um artigo de opinião que está dentro da nossa política editorial, mas não reflete necessariamente o posicionamento da Revista Afirmativa