Por Karla Souza
Abuso policial e racismo são palavras que confluem de forma enraizada no Brasil. De acordo com um estudo divulgado na quinta-feira (7) pela Rede de Observatórios da Segurança, em 2023, policiais mataram 4.025 pessoas no país. Em 3.169 desses casos, havia registro de raça e cor das vítimas: 2.782 eram pessoas negras, representando 87,8% do total. Esse cenário de violência estrutural resultou, no dia 3 de novembro, nas mortes de Clóvis de Oliveira Santos Junior, conhecido como Dark MC, em uma ação da Polícia Militar da Bahia, e de Gabriel Renan da Silva Soares, sobrinho do rapper Eduardo Taddeo, do grupo Facção Central, por um policial militar em São Paulo.
Silenciamento de Dark MC
“Como narrar flor se o sistema opressor faz questão, de expor sua ira contra minha cor”, descreve Dark MC em sua música “Julgue-me”, uma de suas várias composições que denunciam a violência policial contra pessoas negras, sobretudo na Bahia, além de ecoar a vulnerabilidade social e genocídio da população negra, desumanização do homem negro e a vivência dentro das facções. Aos 29 anos, ele foi identificado como uma das vítimas em uma ação da Polícia Militar no bairro do IAPI, em Salvador (BA), na noite de sábado (2). O corpo foi liberado na segunda-feira (4) e o enterro ocorreu na última terça-feira (5) no Cemitério Municipal de Plataforma, conforme confirmado pelo Departamento de Polícia Técnica (DPT).
A Polícia Militar da Bahia informou que, durante uma operação envolvendo a 37ª Companhia Independente (CIPM) e equipes das Rondesps BTS, Norte e Nordeste, os agentes foram recebidos a tiros em uma área conhecida como Milho. De acordo com a corporação, três homens foram baleados e levados a uma unidade de saúde, mas não resistiram aos ferimentos. Um quarto suspeito foi preso e encaminhado ao Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Nenhum policial foi ferido no suposto confronto.
Dark era um nome reconhecido no rap baiano, tendo se destacado nas batalhas de MCs e lançado músicas como “Madrugada Fria”, “Julgue-Me” e “Lei das Quadradas” pela RapBox, além de faixas como “Lemos de Brito” e “Daqui da Laje”. Em 2022, lançou o EP “Deus da Guerra (Crônicas)” e se apresentou em cidades como Aracaju e Maceió, onde contava com uma base de fãs consolidada. Conhecido também por suas performances nas batalhas de rima, teve embates memoráveis com MCs como 16 Beats, em 2016 e 2017.
Segundo registros policiais, ele também teve indiciamentos por tráfico de drogas, violência doméstica e roubo.
Execução de Gabriel Renan expõe brutalidade policial
Enquanto a morte de Dark MC repercute na Bahia, outro caso de brutalidade policial chama a atenção em São Paulo. A execução de Gabriel Renan da Silva Soares, um jovem negro, por um policial militar na zona sul de São Paulo (SP), foi flagrada por câmeras de segurança da loja da rede Oxxo. As gravações mostram o policial Vinicius de Lima Britto disparando ao menos oito tiros pelas costas da vítima, que estava desarmada. No entanto, o Boletim de Ocorrência (BO) registrado omite esses detalhes e afirma que o policial agiu “para revidar possível injusta agressão”.
De acordo com o BO, o policial alegou que Gabriel estaria armado, tendo feito um movimento como se fosse sacar uma arma, o que justificaria a ação letal. Porém, prints das câmeras obtidos por uma fonte anônima revelam que Gabriel estava correndo em fuga, de costas, quando foi alvejado. No momento de sua morte, Gabriel carregava apenas um cartão do SUS, dois pedaços de papel, uma nota de dólar e duas fotografias, desmontando a alegação de que ele estivesse armado.
Gabriel, que teria completado 27 anos ontem (7), foi morto após tentar furtar dois produtos de limpeza da loja. O policial, que não estava de serviço no momento, utilizou uma pistola .40 para efetuar os disparos. A tragédia ganhou ampla repercussão nas redes sociais após o rapper Eduardo Taddeo, ex-integrante do grupo Facção Central e tio da vítima, divulgar um vídeo de denúncia em frente ao estabelecimento.
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP) informou que o caso está sob investigação da Divisão de Homicídios. Em nota, a SSP destacou que exames periciais foram solicitados e que outras diligências estão sendo conduzidas para apurar as circunstâncias do ocorrido.
O Oxxo, por sua vez, diz que lamentou profundamente a morte e afirmou que está colaborando com as investigações, disponibilizando as imagens das câmeras de segurança às autoridades.
De acordo com informações do Joio e o Trigo, o policial militar Vinícius de Lima Britto, responsável pelos homicídios de Gabriel Renan da Silva Soares e de duas outras pessoas em São Vicente, foi reprovado em um exame psicológico da PM em 2021. O laudo psicológico, obtido pela reportagem, indicou que o soldado apresentava características de descontrole emocional, impulsividade e dificuldades de autocontrole em situações de tensão. Embora o exame tenha sido decisivo para sua reprovação inicial, Britto não aceitou a decisão e entrou com uma ação judicial contra a corporação. O processo foi rejeitado em duas instâncias, mas o policial conseguiu realizar o concurso novamente e foi aprovado, ingressando na PM em janeiro de 2023.