Por Elizabeth Souza
Na última quarta-feira (4), a Câmara dos Deputados realizou uma Audiência Pública para discutir a redução da jornada de trabalho e o fim da escala 6×1. O tema tem repercutido nacionalmente e levado muitas pessoas às ruas em protesto às condições insalubres de trabalho.
“É uma escravidão moderna”, alerta um dos principais nomes responsáveis pela projeção que o assunto alcançou: Rick Azevedo (PSOL), vereador do Rio de Janeiro e criador do movimento Vida Além do Trabalho (VAT). Em entrevista à Revista Afirmativa, ele trouxe à tona as dificuldades enfrentadas por profissionais submetidos a jornadas exaustivas, muitas vezes negligenciadas nos debates trabalhistas.
Na Câmara, Rick encontrou uma aliada, a deputada federal Erika Hilton, autora da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) conhecida como “PEC do fim da escala 6×1”, que tramita na Casa Legislativa. “Temos construído essa luta juntos”, aponta.
Revista Afirmativa: O que motivou você a iniciar o movimento pelo fim da escala 6×1?
Rick Azevedo: Minha motivação veio da minha própria experiência. Eu vivia a rotina esmagadora que milhões de trabalhadores enfrentam todos os dias: sem tempo para a família, sem oportunidade de estudar ou até mesmo de descansar. Quando gravei aquele vídeo desabafando enquanto trabalhava como balconista de farmácia, não imaginava que tantas pessoas se identificariam com aquilo. O movimento VAT [Vida Além do Trabalho] surgiu justamente disso: do meu desabafo, do povo, dos trabalhadores. Juntos decidimos transformar essa indignação em força coletiva. Todos os coordenadores do VAT são pessoas que sofrem ou sofreram sob a escala 6×1. É uma luta do povo, para o povo.
RA: O que aquele momento representou para você?
RC: Aquele momento mostrou que o problema não era só meu, mas de todos que enfrentam uma vida desbalanceada e exaustiva. Não dá para aceitar que alguém tenha só quatro dias de folga em um mês e consiga, ao mesmo tempo, ser mãe, cuidar da saúde ou aproveitar momentos com amigos.
RA: Quais outros impactos a escala 6×1 traz à vida dos trabalhadores?
RC: A escala 6×1 destrói vidas. Ela rouba sonhos, separa famílias e consome a dignidade das pessoas. Não é só a falta de tempo, mas a sensação de estar preso a um sistema que exige tudo e devolve quase nada. O trabalhador não pode adoecer, não tem tempo para lazer, e isso leva ao desgaste físico e mental. Burnout, ansiedade, depressão — essas coisas estão cada vez mais comuns porque o trabalhador virou uma peça de engrenagem descartável. É um sistema que perpetua a exploração e, no fundo, a escravidão moderna.
RA: Como o movimento propõe garantir mais qualidade de vida aos trabalhadores? Como isso pode beneficiar o setor econômico do país
RC: Por meio de algo muito simples, mas essencial: devolver o tempo de vida para quem trabalha. Acabar com a escala 6×1 é garantir que as pessoas tenham jornadas mais humanas e mais dignas. É permitir que pais e mães estejam presentes na vida dos filhos, que as pessoas cuidem da saúde, tenham lazer e até possam voltar a sonhar. A PEC é o primeiro passo, mas a luta é maior. Quando o trabalhador tem tempo livre, ele investe em si mesmo e movimenta a economia. Ele vai ao cinema, ao restaurante, faz cursos, viaja. Isso fortalece o mercado interno, melhora a qualidade de vida e beneficia toda a sociedade.
RA: Como o fim da escala 6×1 pode ser implementado na prática?
RC: É uma questão de vontade política. Precisamos de regulamentações que atendam as necessidades dos trabalhadores e das empresas, sem sacrificar a dignidade de quem realmente faz o país funcionar. Outros países já mostraram que reduzir jornadas aumenta a produtividade, então é mais do que possível. Além disso, o impacto econômico seria positivo: com mais tempo, os trabalhadores consomem mais em cultura, lazer, educação e serviços. Isso gera empregos em outros setores.
RA: Essa tem sido uma pauta que envolve setores da direita, da esquerda, do centro. Na sua opinião, como esses setores têm respondido a isso?
RC: O apoio que temos recebido é plural, porque essa é uma luta de todos os trabalhadores, independentemente de ideologia. No entanto, os parlamentares que resistem a essa mudança precisam reconhecer os privilégios que têm. Eles trabalham menos dias por semana, têm altos salários e nunca enfrentaram a realidade brutal de uma escala como essa. Quem é contra essa pauta está defendendo a manutenção de um sistema que explora os mais vulneráveis. Isso precisa acabar.
RA: Apoiadores dos candidatos da extrema direita, da centro-direita, do centrão também têm pedido para que esses parlamentares apoiem a pauta. O que isso revela sobre a importância da PEC?
RC: Isso revela que a escala 6×1 é uma ferida aberta que atravessa todos os espectros políticos. Quando até os eleitores mais conservadores cobram mudança, é porque o problema é insuportável. Nossa petição pública já está chegando a 3 milhões de assinaturas. Isso, por si só, já mostra que o Brasil inteiro está exausto. E a tag #FIMDAESCALA6X1 foi o assunto mais comentado do Twitter por uma semana. Essa mobilização é um recado claro de que essa luta não pode ser ignorada.
RA: Quais são suas expectativas sobre a tramitação da PEC no Congresso?
RC: Minhas expectativas são altas porque a mobilização está muito forte. A petição está perto de bater 3 milhões de assinaturas, e a pressão popular não para de crescer. Sabemos que o Congresso tem seus desafios, mas a força do povo é maior. É impossível ignorar uma pauta com tanto apoio. Vamos seguir vigilantes e cobrando até que essa mudança aconteça.
RA: Como você avalia o papel da deputada Erika Hilton nessa mobilização?
RC: A Erika tem sido incrível. Desde o primeiro momento em que levei a demanda, ela e o mandato dela foram extremamente receptivos. Temos construído essa luta juntos, com diálogo constante e muita troca. Ela deu legitimidade à pauta dentro do Congresso e abriu portas para que a gente pudesse avançar. É um trabalho coletivo, e o comprometimento dela é uma peça fundamental nesse processo.