Lideranças cobram instalação de delegacia de combate ao racismo religioso após ataques a terreiros em Pernambuco

As exigências se fortaleceram após diversos casos de racismo e intolerância religiosa praticados por evangélicos nas últimas semanas contra terreiros na Região Metropolitana do Recife

Por Elizabeth Souza

A criação de uma Delegacia Especializada no Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa em Pernambuco tornou-se uma reivindicação urgente após recentes episódios criminosos no estado. Um deles aconteceu no Terreiro Xambá, em Olinda (PE), no dia 19 de janeiro. Nesta terça-feira (28), representantes de povos de terreiro protocolaram ofício na Secretaria de Defesa Social (SDS) e na sede do governo de Pernambuco pedindo a implementação da unidade. 

A solicitação formal para a criação de uma Delegacia Especializada foi protocolada na SDS e no Palácio do Campo das Princesas por Renato Fonseca, administrador da página Macumba Ordinária. Ele é um dos articuladores do protesto realizado no dia 26 de janeiro, em frente ao Terreiro Xambá pelos crimes cometidos no local por um grupo de evangélicos, dois dias antes do Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. 

“Com uma única ordem a governadora resolve tudo isso se ela quiser, mas pelo visto ela não quer porque não se pronunciou e acho que nem vai. Sabe por quê? Porque quem está cobrando é um homem preto, macumbeiro [sic], uma pessoa que pra ela não é ninguém”, disse Renato em tom de repúdio.

Falta atendimento qualificado

“Quando fui prestar o boletim de ocorrência (BO) na delegacia [do bairro] de Casa Amarela, no Recife, não tinha tipificação de crime para intolerância religiosa. O mais engraçado é que intolerância religiosa é crime”, critica Renato Fonseca. Ele conta que procurou a delegacia após receber xingamentos de uma página evangélica (Assembleianos de Valor), onde um vídeo seu foi publicado depois de denunciar os crimes cometidos contra o Terreiro Xambá. 

Durante a realização do BO, o crime foi tipificado na categoria “outros delitos”, o que para Renato escancara a necessidade de uma delegacia especializada com o intuito de investigar os crimes de racismo e intolerância religiosa, bem como dar suporte qualificado às vítimas.

“Eu entrei na delegacia de Casa Amarela e já me deparei com a imagem de Jesus, mostrando claramente que as pessoas que ali trabalham são cristãs. Isso não quer dizer que a pessoa que esteja lá [na delegacia] tenha que ser macumbeiro [sic] para investigar, não é isso. O que eu tô falando é que a gente precisa de uma equipe especializada que realmente vai fazer uma investigação correta.”

Final de semana marcado por crimes

Os crimes contra o Terreiro Ilê Axé Oyá Meguê da Nação Xambá aconteceram no dia 19 de janeiro, localizado na cidade de Olinda, Região Metropolitana do Recife. Na ocasião, um grupo de evangélicos se reuniu em frente ao Terreiro Xambá – casa de candomblé com mais de 90 anos de tradição e reconhecida como Patrimônio Vivo de Pernambuco – para realizar um culto, desrespeitando o local sagrado e proferindo xingamentos.

“Escutei uma zoada e, ao descer, vi um grupo de evangélicos parado em frente ao Terreiro Xambá para fazer um culto. Falei com as lideranças e pedi que saíssem, porque não era justo. Eles não gostariam que fizéssemos um xirê em frente às igrejas deles”, relatou Pai Ivo de Xambá, Babalorixá do Terreiro, em vídeo divulgado nas redes sociais. Ainda segundo Pai Ivo, que prestou um BO numa delegacia de Olinda, o grupo chegou a se retirar, mas alguns integrantes permaneceram no local proferindo ofensas à Casa de Axé.

Crimes semelhantes que ocorreram no mesmo final de semana do dia 19 vêm sendo denunciados na página “Macumba Ordinária”. Um deles foi contra o Terreiro Omo Obá, na comunidade do Coque, no bairro de Joana Bezerra, no Recife. Durante uma oficina de graffiti realizada na Casa de Axé, participantes produziram artes nos muros do Compaz (Centros Comunitários da Paz) localizado na região, incluindo símbolos de religiões de matriz africana. Após o evento, uma moradora cristã cobriu quase todas as pinturas com tinta branca. No dia seguinte, a comunidade realizou um mutirão para retirar a tinta.

Outro episódio aconteceu no município de Jaboatão dos Guararapes (PE), em frente ao Ilê Asé Dará Osun Opará, no bairro de Prazeres. De acordo com nota lançada pela Casa, o Babalorixá Pai Dicinho, junto aos seus filhos de santo, se preparava para iniciar a festa Águas de Oxalá quando um grupo de evangélicos se reuniu no local para fazer pregação tentando intimidar os presentes com xingamentos. “Estamos atentos e vigilantes, tomando todas as medidas cabíveis para garantir que tais situações não se repitam, e continuaremos a trabalhar em prol de uma sociedade mais justa e igualitária”, diz trecho da nota. 

“Povo de terreiro, levantem a cabeça, não se calem, não aceitem mais isso. A Constituição que dá o direito à liberdade de expressão é a Constituição que também dá direito à liberdade religiosa”, asseverou Renato.

A reportagem entrou em contato com as assessorias da SDS e da governadora de Pernambuco, Raquel Lyra, mas ainda não recebemos retorno.

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