Por Matheus Souza
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) aprovou por aclamação a súmula – enunciado que orienta decisões sobre determinado tema – que proíbe candidatos condenados por racismo de se inscreverem na entidade. A decisão foi tomada em junho, durante sessão ordinária realizada na sede da OAB-DF, tendo como fundamento a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Na ocasião, a relatora da matéria, conselheira federal Shynaide Mafra Holanda Maia (PE), afirmou que a prática do racismo revela falta de idoneidade moral. Dessa forma, está em desacordo com os requisitos essenciais para o exercício da profissão previstos nos termos do Estatuto da Advocacia.
A iniciativa para a nova resolução veio do presidente da seccional da OAB no Piauí, Raimundo Júnior, do conselheiro federal Ian Cavalcante e da secretária-geral da seccional piauiense, Noélia Sampaio. A decisão segue a linha de outras súmulas editadas em 2019 pela OAB, que também apontavam a falta de idoneidade moral em relação a condenados em casos de violência contra a mulher, crianças, adolescentes, idosos, pessoas com deficiência e indivíduos LGBTQIA+.
Durante a sessão, foram realizadas homenagens a Esperança Garcia, mulher negra e piauiense reconhecida como a primeira advogada do Brasil, e a outras lideranças negras da advocacia nacional.
Racismo e Poder Judiciário
A iniciativa da OAB procura conter a entrada de indivíduos condenados por racismo dentro da prática jurídica. Embora os crimes de racismo tenham sanções específicas desde 1989, com a criação da Lei Caó, na prática, a aplicação das penas e formação de decisões têm sido prejudicadas por um judiciário majoritariamente branco e alinhado aos ideais racistas.
“Como temos um alto percentual de juízes brancos, formados por professores brancos, julgando a partir de leis produzidas por pessoas brancas, e fundamentando decisões com a teoria produzida por hermeneutas brancos, o resultado é um grande alinhamento na direção de se manter esse status quo de extrema desigualdade racial”, destaca o doutor em Sociologia Renan Bulsing dos Santos, da UFRGS, em entrevista ao Brasil de Fato.
No Brasil, embora as pessoas negras representem a maioria da população (cerca de 55,5%, segundo a edição de 2022 do Censo do IBGE), elas ocupam menos espaços na esfera judiciária, representando apenas 15% dos cargos na magistratura e cerca de 30% dos postos de servidores e servidoras. Os dados são do Diagnóstico Étnico-Racial no Poder Judiciário, de 2023.
A pesquisa Características do racismo estrutural (re)produzido no Sistema de Justiça: uma análise das discriminações raciais em tribunais estaduais, de 2024, revela que há mais mulheres servidoras (54%) do que homens (46%). Porém, ao considerar apenas as pessoas negras, os homens ainda são maioria: eles representam 52,2% desse grupo, enquanto as mulheres negras correspondem a 47,8%. Mesmo nos cargos onde as mulheres estão melhor representadas, as mulheres negras continuam sendo duplamente minoritárias em relação às mulheres brancas e aos homens negros.
Este ciclo de discriminação e falta de representatividade começa na baixa quantidade de pessoas negras que conseguem acesso ao ensino superior em Direito, e nas dificuldades enfrentadas para concluir o curso por aqueles que conseguem. Os estágios profissionalizantes, em escritórios de advocacia ou órgãos públicos, também sofrem com a falta de oportunidades, principalmente na iniciativa privada.