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Aquilombar para o Bem Viver: Pré-Marchas de Mulheres negras pelo país traçam caminho até Brasília

A Afirmativa esteve em Belém (PA), Salvador (BA) e Rio de Janeiro (RJ) para as Marchas locais do 25 de Julho, que pavimentam o caminho até a Marcha Nacional das Mulheres Negras

Por Catiane Pereira

Pautadas pelo Bem Viver, pela Reparação e pelo enfrentamento ao racismo, mulheres negras saíram às ruas de norte a sul do país para marchar no 25 de Julho – Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e Dia Nacional de Tereza de Benguela. Ao todo, 17 cidades do Brasil fizeram pré-marchas locais que marcaram a mobilização rumo à 2ª Marcha Nacional de Mulheres Negras, prevista para acontecer no mês de novembro, em Brasília. 

Os atos pelo país funcionam como momentos de visibilidade, articulação e fortalecimento político, conectando territórios e experiências diversas em torno de um mesmo horizonte: o Bem Viver e a Reparação Histórica. São mobilizações que envolvem diferentes gerações e atualizam pautas urgentes, como o enfrentamento à violência racial e de gênero, combate à intolerância religiosa, o direito à terra, à educação e à dignidade.

A Afirmativa esteve presente e acompanhou as pré-marchas em Belém (PA), Salvador (BA) e Rio de Janeiro (RJ), e traz aqui o que testemunhamos da força política, ancestral e coletiva dos Movimentos de Mulheres Negras nestas cidades. Para nós, enquanto mídia negra, nos alimenta e orgulha noticiar o aquilombamento nas ruas, acompanhar os cantos, registrar os cartazes, nos emocionar com cada fala e corpo em movimento, sabermos que somos parte de toda essa beleza, do protagonismo de quem historicamente sustenta as lutas por justiça social, e que constrói um dos fatos político mais importantes desta década para o Brasil: A Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver.


Salvador (BA)

Em Salvador, a Marcha tomou as ruas do Centro Histórico na tarde da sexta-feira (25). Com concentração na Praça da Piedade e caminhada até o Pelourinho, a 10ª edição da Marcha do 25 de julho na cidade reuniu milhares de mulheres de diferentes territórios, gerações e identidades, em um grande chamado coletivo por Reparação, Bem Viver e Liberdade.

Imagem: Adriane Rocha

A caminhada teve início com uma saudação ancestral das Guardiãs da Pedra de Xangô, grupo formado por Iyalorixás que ocupam a linha de frente da defesa dos territórios sagrados e da espiritualidade de matriz africana. Com rezas, cantos e toques, as lideranças espirituais abriram os caminhos da marcha, fortalecendo o caráter ritualístico, político e comunitário do ato. 

Na linha de frente da Marcha em Salvador, estavam as meninas, crianças, adolescentes e jovens negras, muitas acompanhadas por suas mães e avós, simbolizando o futuro que se constrói na luta do presente. A presença reforçou o papel da manifestação como espaço de formação política.

A manifestação contou ainda com uma oficina de percussão conduzida pela Banda de Mulheres Yayá Muxima. “Hoje a gente quer celebrar todas as mulheres que lutaram antes da gente, que estabeleceram essa força social e política tão importante. Nada nos foi dado, tudo foi conquistado. Queremos estar presentes na história de forma ativa, tendo esse protagonismo”, afirmou Vivian Caroline, maestrina da banda.

“Em Salvador, onde as ialorixás determinam os caminhos espirituais sagrados da cidade, a gente precisa que esse protagonismo das mulheres negras venha para todos os espaços, inclusive  para o palco, para o trabalho, para a educação e para a política”, completou a artista.

O ato foi espaço de denúncia, mas também de reencontro, ancestralidade e convocação. “O que me motiva todos os anos é saber que essa luta é atual e urgente. Nós, mulheres negras, morremos todos os dias, inclusive dentro dos nossos lares”, disse Roberjane Ribeiro, do Centro Afro Sussuarana. “Muitas vieram antes de mim para que hoje eu estivesse aqui dizendo não a todo e qualquer tipo de violência contra os nossos corpos. A marcha é também um lugar de liberdade.”

A presença de mulheres trans também foi uma das forças do ato. Kukua Dada, do Fórum de Políticas Públicas para Travestis e Pessoas Trans da Bahia e do Coletivo TransUFBA, destacou a importância de lutar lado a lado com as mulheres cis negras.  “A importância das mulheres trans marcharem vai além da representatividade. É mobilização. Quando marchamos juntas, percebemos que nossa dor não é única e que existe um sistema ruim que não quer nossa união.” 

Belém (PA)

Na noite do dia 25 de julho, as ruas de Belém foram tomadas pela força coletiva e ancestral das mulheres negras amazônidas durante a 10ª edição da Marcha das Mulheres Negras, com o tema “Vidas Negras Amazônidas por Reparação e Bem Viver”.

A concentração começou na escadinha da Estação das Docas, de onde o cortejo seguiu até o Quilombo da República, na Praça da República. Em cada passo, a marcha reverberou pautas históricas, como o combate ao racismo, ao feminicídio, à violência do Estado e à ausência de políticas públicas nos territórios periféricos e quilombolas. Também foi espaço de celebração: músicas, danças, rezas e expressões culturais tornaram a noite um manifesto vivo da potência das mulheres negras da Amazônia.

Imagem: Jész Ipólito

“Nós marchamos pelo Bem Viver: direito à moradia, à saúde, à educação e, principalmente, pelo direito de estarmos vivas. Marchamos pelas nossas vidas e pelas vidas dos nossos filhos”, afirmou Nazaré Cruz, historiadora, trançadeira, mulher de axé e integrante da Coordenação Nacional de Entidades Negras (CONEN).

Vic Argôlo, mestra em comunicação, educadora trans negra e ativista do Centro de Defesa do Negro do Pará (Cedenpa), destacou que estar na marcha é também um ato de reivindicação de futuro. “É pensar novas possibilidades e novos mundos para os nossos corpos. Que o futuro seja menos exaustivo para nós, mulheres negras, e que possamos desfrutar de um mundo melhor, mais cuidadoso, com bastante descanso, lazer e coisas boas.”

Neste ano, o evento foi mais uma vez espaço de construção política, espiritualidade e memória coletiva, reafirmando que a Amazônia também marcha, canta e luta por justiça e reparação.

Rio de Janeiro (RJ)

No Rio de Janeiro, diversas mulheres negras ocuparam a orla de Copacabana no último domingo (27), para a 11ª edição da Marcha das Mulheres Negras do estado. Sob o lema “Contra o racismo, por justiça e Bem Viver”, o ato reuniu caravanas de mais de 70 municípios e teve início na Praça do Lido, reunindo representantes de movimentos sociais, coletivos comunitários, artistas, parlamentares e ativistas de diferentes gerações.

Imagem: Catiane Pereira

A marcha também marcou o aniversário de Marielle Franco, que completaria 46 anos no dia 27 de julho. Mulher negra, favelada, mãe, socióloga e parlamentar, Marielle se tornou um símbolo nacional de resistência política, enfrentamento ao racismo, às violências de gênero e defesa dos direitos humanos. Sete anos após seu assassinato, sua memória segue presente nas ruas e nas lutas das mulheres negras. 

“Estou marchando por reparação e Bem Viver, no dia tão simbólico para nós, e pela luta que estamos aqui hoje”, afirmou Luyara Franco, filha de Marielle e diretora do Instituto que leva o nome da mãe. Para ela, a marcha também se afirma como um espaço de visibilidade e protagonismo dos corpos negros, onde essas mulheres reafirmam, juntas, que não serão apagadas.

O evento contou com apresentações de música, dança, poesia e pinturas ao vivo feitas por artistas negras, em uma celebração que aliou cultura, espiritualidade e mobilização popular. Alice Brites, do Coletivo Negras Empoderadas de Iguaba Grande (NEIG), acredita que a marcha seja importante para dar visibilidade aos corpos negros. “É uma luta de reparação para nossos corpos, e para que nós, mulheres negras trans e LGBTQIAP+, possamos mostrar que existimos. Estamos aqui, e a história não vai retroceder”, declarou.

A jornalista Eloá Corrêa também ressaltou a urgência do Bem Viver como pauta central da marcha: “As mulheres negras são a maioria da população brasileira, mas ainda são negligenciadas na saúde, nos direitos reprodutivos, na educação e no trabalho. Somos nós que sustentamos este país. Precisamos viver com dignidade, com acesso à cidade, com liberdade.”

13ª edição do Julho das Pretas – Mulheres Negras em Marcha por Reparação e Bem Viver

As marchas do 25 de Julho nos estados fazem parte da 13ª edição do Julho das Pretas, agenda de incidência política criada em 2013 pelo Odara – Instituto da Mulher Negra. A iniciativa, atualmente realizada pela Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), a Rede de Mulheres Negras do Nordeste e a Rede Fulanas – Negras da Amazônia Brasileira, reúne organizações e movimentos de mulheres negras de todo o Brasil em uma ação conjunta e propositiva, com foco na luta por direitos, visibilidade e justiça social. Neste ano, sob o tema “Mulheres Negras em Marcha por Reparação e Bem Viver”, mais de 600 atividades estão sendo realizadas em todo o país.

O Julho das Pretas, com suas marchas e atos realizados em todo o país, tem sido fundamental para fortalecer a mobilização rumo a 2ª Marcha Nacional de Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver. Mais do que uma série de atividades, o Julho é um território político onde se constroem agendas comuns, alianças entre gerações e a reafirmação do protagonismo das mulheres negras na luta por direitos.

A Marcha Nacional deste ano acontece dez anos após a histórica Marcha das Mulheres Negras contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver, que em 2015 levou mais de 100 mil mulheres à capital federal. Agora, o chamado é ainda mais amplo: reunir um milhão de mulheres negras do Brasil e de outros países para afirmar que um novo projeto civilizatório é urgente e possível. Um projeto baseado na justiça racial, na liberdade, no respeito à ancestralidade e na centralidade da vida.

“Essas marchas refletem a força e a diversidade das mulheres negras e dos segmentos da sociedade unidos para tornar a Marcha Nacional uma grande mobilização. Como um termômetro para o que acontecerá em Brasília, o objetivo é ampliar a mobilização, envolver mais pessoas e setores e intensificar o debate político sobre reparação e Bem Viver”, afirma Terlúcia Silva, da Rede de Mulheres Negras do Nordeste.

As mulheres negras seguirão em marcha porque sabem que o futuro se constrói com memória, organização e coragem coletiva.

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