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Mulheres que Marcham: o voo perene das mulheres negras por Reparação e Bem Viver

Todos os caminhos levam a Brasília: a história de oito mulheres negras que honram legados, semeiam liberdade e preparam o voo coletivo rumo à Marcha Nacional por Reparação e Bem Viver

Como nos ensina Lélia Gonzalez, na tradição nagô a ancestralidade feminina é representada por pássaros, em um movimento que revela legados e tradições que encontram nos ninhos das guardiãs espaço seguro. Nesta perspectiva, mulheres negras são detentoras e propagadoras de sementes ancestrais que permanecem germinando rotas de liberdade, autonomia, vida e esperança.

Reverenciando a sabedoria e a força transformadora das mulheres negras em movimentações coletivas, iremos contar a história de oito ativistas que também são guardiãs e honram o legado de quem veio antes na luta, rumo à Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver – a 2ª Marcha Nacional do movimento, que acontecerá em Brasília, no dia 25 de novembro.

Após 10 anos da 1ª Marcha, que aconteceu em 18 de novembro de 2015, mulheres negras de diversas regiões do país e do mundo voltarão a se encontrar na capital federal. Dessa vez, a mobilização será ainda maior: 1 milhão de mulheres. Mas o percurso até lá exige organização, responsabilidade e apoio mútuo. Nesta série semanal, nos debruçamos sobre a história de oito mulheres negras. Para elas, a Marcha é uma constante em suas vidas. 

A força da juventude é o futuro ancestral da Marcha. Pérola Magalhães tem 17 anos e é uma das jovens vozes que ecoam com força na mobilização rumo à Brasília. Intérprete, coreógrafa e pesquisadora da dança na Escola Técnica Estadual Adolpho Bloch (ETEAB), ela atua também como mobilizadora e comunicadora da Rede Não Bata Eduque. Foi ela quem propôs a criação do Grupo de Trabalho de Juventude do Comitê Impulsionador Estadual do Rio de Janeiro para a Marcha. Pérola ainda compõe os coletivos Axé em Luta e Mães de Itaboraí (RJ).

Mas “nossos passos vêm de longe”. É preciso olhar e saudar as nossas mais velhas, e todo o acúmulo que nos fez chegar até aqui. Indócil, disruptiva e persistente, Ivannide Santa Bárbara carrega em si a força de quase oito décadas de vida e metade delas dedicada aos movimentos sociais. Referência na luta contra o racismo, na defesa da liberdade religiosa e na articulação política das populações negras, a baiana de “Fêra” – filha de Iansã -, participou ativamente da construção da Marcha, e segue sendo inspiração na mobilização para a segunda edição. Por questões de saúde e idade, ela não estará em Brasília para a segunda edição da Marcha, mas tem concentrado seus esforços na mobilização em seu território.

Nos caminhos da ancestralidade, Thiffany Odara é Yalorixá do Terreiro Oyá Matamba, na comunidade de Portão, em Lauro de Freitas (BA), e mobiliza espiritualidade, educação e comunicação na luta por Reparação e Bem Viver. Mulher trans, é doutoranda em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), escritora, criadora de conteúdo e conselheira municipal de direitos raciais e LGBTQIAP+. Ela atua na luta por direitos em seu território, enfrentando as violências do racismo institucional, religioso e ambiental, e também está a caminho de Brasília, somando forças na mobilização para a Marcha. 

Marchar é resistir todos os dias, especialmente para mulheres como Fabrícia Dias, que conciliam maternidade, arte e ativismo sem deixar de seguir rumo a Brasília. A capixaba vem de Morro da Fonte Grande, uma comunidade periférica de Vitória (ES). Graduada em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), foi na Bahia que aprendeu a não abaixar a cabeça para ninguém. Durante sua gravidez, ela percebeu que as mulheres negras eram negligenciadas na gestação, além de sofrerem violência obstétrica. Foi assim que, tempos depois, se formou doula. Hoje ela é uma das organizadoras do Comitê Impulsor da Marcha em São João del-Rei (MG), e juntamente com suas companheiras, está se mobilizando rumo à capital federal.

Enquanto Brasília se aproxima, a marcha pulsa em cada território, porque nenhum chão é pequeno demais quando se trata da luta das mulheres negras. Juliana Soares é natural do Quilombo Coxilha Negra, em São Lourenço do Sul (RS), território marcado pela colonização alemã, onde ser uma mulher negra é, por si só, um ato de resistência cotidiana. A ativista quilombola é mãe de Ana Júlia e Henrique, lésbica e coordenadora do Programa de Educação Antirracista da Fundação Luterana de Diaconia (FLD). Desde que soube da Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver, marchar se tornou sua prioridade para 2025. 

Do sul ao norte, dos quilombos às metrópoles, de uma ponta a outra do país, as mulheres negras se organizam. Maria das Dores do Rosário Almeida, de 63 anos, carinhosamente conhecida como Durica, é nascida e criada em Carmo do Macacoari, distrito de Itaubal (AP). Sua ancestralidade e identidade foram construídas pelos territórios negros ocupados pelos seus pais. Ativista na União do Negros do Amapá (UNA) desde a juventude, Durica é professora e Mestra em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UNB). Em 2000 ela funda o Instituto de Mulheres Negras do Amapá (IMENA), e também participa da fundação da Rede Fulanas – Negras da Amazônia Brasileira, junto com Nilma Bentes, que se tornaria a responsável por idealizar a Marcha Nacional de Mulheres Negras. Hoje Durica é responsável por impulsionar através dos diversos meios a Marcha em seu estado, com o compromisso de chegar a todos os cantos de seu território. 

Há quem já esteja pertinho de Brasília, o que não quer dizer que os desafios sejam menores. Da Ceilândia, no Distrito Federal (DF) – terra candanga atravessada pela negritude que lhe deu régua e compasso, Thânisia Cruz, de 33 anos, também constrói a Marcha. Os mesmos olhos que viram e participaram da 1ª edição em 2015, permanecem brilhantes e esperançosos pela onda que tomará conta do planalto central este ano. Integrando a coordenação de Logística do Escritório da Marcha e o seu Comitê Impulsionador no DF, Thânisia não se furta de compartilhar os desafios, mas afirma que motivação e esperança levarão as diversas mulheres do país para Brasília. 

Se Thânisia representa a força das que estão no coração do poder, Bruna Ravena traz a potência das que transformam margens em centro – mostrando que a Marcha também se faz com corpos transgressores que reinventam existências. Mulher travesti, nascida em Manaus (AM), ela migrou aos 18 anos para o Paraná, no Sul do país, onde transformou dores em força política. A transfobia, o racismo e o desemprego atravessaram sua trajetória, mas foi no ativismo e na educação que ela construiu caminhos de dignidade, enfrentamento e cuidado coletivo. Formada em administração, hoje aos 39 anos, preside o Instituto Casa de Malhú, espaço que fortalece a luta de pessoas trans e travestis.

Assim seguem as Mulheres que Marcham: com voo perene, tecendo redes de afeto e resistência de Norte a Sul do país. Diante de todos os obstáculos, transformam cansaço em combustível, adversidades em estratégia – porque a Marcha por Reparação e Bem Viver não é apenas um caminho até Brasília, mas o movimento contínuo de quem há séculos recria, com as próprias asas, os mapas da liberdade. Em novembro, como em todos os dias, elas provam: o voo das mulheres negras não cessa.

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