Por Patrícia Rosa
Empreender vem sendo cada vez mais popular e necessário no Brasil. Para uma parcela é a realização do sonho do próprio negócio, para a maioria da população é a única alternativa de sobrevivência. Os afroempreendedores brasileiros correspondem a 51% dos donos de negócios do país, porém formam apenas 1% daqueles que lucram de R$ 60 mil a R$ 360 mil, e totalizam 60% dos empreendedores que não lucram nada de acordo com o relatório anual de 2017 da Global Entrepreneurship Monitor (GEM).
Em contrapartida a toda falta de retorno justo, a população negra brasileira representa, de acordo com o IBGE, 54% da população e movimenta R$ 1,7 trilhão por ano segundo dados da pesquisa Empreendedorismo Negro no Brasil 2019 realizada pela aceleradora PretaHub, do instituto Feira Preta, em parceria com a Plano CDE e o banco JP Morgan. O levantamento ouviu 1.220 pessoas, com idades entre 18 e 70 anos, de diferentes raças e classes sociais.
O jovem Felipe Sousa, hoje com 26 anos, ainda na adolescência descobriu que seu talento era com a moda e que queria vender roupas, e assim, há 10 anos atrás, idealizou seu sonho e fundou o seu atual empreendimento, a Kace Wear. A marca trabalha com Roupas Streetwear e moda independente que se comunica com a comunidade urbana, das artes, do esporte e da música. O jovem mineiro, natural de Sabará, região metropolitana de Belo Horizonte, viu na moda a construção de identidade e negócio: “Eu descobri o que queria muito cedo e o os contraentes sociais e raciais começaram a se fazer verdadeiramente presentes na minha vida a partir desse ponto”.
A inspiração veio do ambiente escolar vendo a forma como os colegas se vestiam. As questões da adolescência, e a falta de representatividade nas roupas da sua época fizeram o jovem sonhar e construir sua linha de roupas: “decidi a partir dali criar a minha própria marca, que contasse uma outra história, que conectasse com outros tipos e estilos, que fugisse do padrão que expressasse quem eu era e onde queria chegar de forma objetiva. Afinal a moda é isso, comunica e leva uma mensagem para as pessoas de forma não verbal” diz o empresário.
Já com 19 anos o jovem trabalhava numa empresa de créditos bancários e poupava o salário para investir em seu negócio. O empreendedor contou com o apoio dos pais, mas passou por dificuldades no inicio da carreira com a escassez de conhecimentos técnicos. Dificuldades do processo foram uma constante, e uma das principais delas foram a desconfiança com relação a qualidade do seu trabalho. “Pra mim essas questões sempre se manifestaram de forma estrutural ou velada, na forma como as pessoas me percebem, julgam minha capacidade e a valorização ou desvalorizam do meu trabalho. Eu tive que fazer muito, para alcançar os mesmos resultados de quem não estava fazendo nem a metade”, diz o empreendedor refletindo sobre o impacto do racismo em seu trabalho. Histórias como a de Felipe inspiram e são exceções em uma realidade geral de empreendedores negros que enfrentam muitas dificuldades para manter seus negócios, conseguir investimentos e tem pouco faturamento, e assim muitos desistem pelo caminho.
Com o intuito de apoiar pequenos negócios da periferia de Salvador (BA), Karine Oliveira (de 27 anos), mulher negra, lésbica e moradora do Engenho Velho da Federação, criou a Wakanda, negócio de impacto social em Educação Empreendedora . O projeto trabalha há cerca de 8 anos com o apoio a gestão de micro empreendimentos da cidade. A ação vem levando conteúdos do empreendedorismo tradicional, com uma linguagem informal e regional, permitindo capacitação e acesso aos negócios de periferias de Salvador. A jovem consultora em empreendedorismo viu nas suas inquietações a motivação para apoiar empreendedores marginalizados pela sociedade
Karine conta que a Wakanda surgiu a partir da sua observação de que a geração de renda precisa estar aliada a outros empoderamentos. “Só em 2016 que eu descobri que tudo que eu fazia era empreendedorismo e fiquei muito chateada quando eu ia para eventos de negócios e a linguagem não era para todo mundo, as empresas citadas eram sempre as grandes. Isso me incomodava muito, pois existem empreendimentos incríveis aqui em Salvador “, comenta.
A partir destas inquietações, ainda na faculdade, Karine idealizou o Wakanda: “É um projeto que fiquei muito apaixonada pelo resultado”. A Wakanda trabalha com uma metodologia baseada em exercícios práticos e oficinas feitas para o alcance da acessibilidade e realização de trabalhos que tragam momentos de autocuidado e que abracem a diversidade de gênero, raça, geracional e sexualidade.
Para quem está abrindo um negócio neste período, Karine deixa algumas dicas: “Estude suas próprias potencialidades; analise as necessidades do mercado, por exemplo, observe o comércio do seu bairro; veja o conteúdo que você quer consumir pensando no aperfeiçoamento de suas habilidades; e é importante contar com uma rede de apoio”.