Os contos de Astolfo Marques reunidos primeira vez em uma obra que confronta dois imaginários opostos e persistentes sobre os significados do 13 de Maio no Brasil
Texto: Divulgação
Imagem: IFCH / Unicamp
No próximo dia 13 de maio, Dia Nacional da Denúncia Contra o Racismo, a editora Fósforo lança o livro inédito: O Treze de Maio: e outras estórias do pós-Abolição, de Astolfo Marques (1876-1918), organizado por Matheus Gato, professor do Departamento de Sociologia da Unicamp, pesquisador do Núcleo Afro\Cebrap e coordenador do BITITA: Núcleo de Estudos Carolina de Jesus (Unicamp).
O livro reúne pela primeira vez os contos de Marques em uma obra que confronta dois imaginários opostos e persistentes sobre os significados do 13 de Maio no Brasil.
De um lado, a velha e influente narrativa que concebe o fim da escravidão como uma espécie de dádiva da Princesa Isabel, anulando o protagonismo das camadas populares e dos movimentos sociais, como forma de abrandar a ação do estado e das elites dirigentes. Do outro, questiona a narrativa da Abolição enquanto “farsa” e “mentira” que constituiu a política cultural dos movimentos negros brasileiros desde a segunda metade do século 20.
O Treze de Maio reúne uma seleção de 17 narrativas breves, concentrada no retrato das reverberações do fim da escravatura em uma região especialmente vitimada pela brutalidade, como foi o Maranhão. A ficção de Astolfo chegou a ser entendida pela crítica da sua época como um mero espelho irrefletido dos tempos. E por pouco não foi completamente apagada, permanecendo restrita aos arquivos históricos da imprensa maranhense até que o sociólogo e pesquisador Matheus Gato resgatasse e reunisse pela primeira vez os contos do escritor.
Os personagens de Astolfo empregam a língua falada, a língua viva, maranhense e brasileira. Mostram-nos, em suas andanças narrativas, um escritor interessado nas “alegrias, frustrações e desafios da vida cotidiana da gente negra e pobre”, mulheres que fazem da praça pública sua casa e domínio, operários nordestinos e militantes abolicionistas que desejam, mais que tudo, a quebra de estruturas, “pessoas para quem a cidadania também se exerce na festa”, escreve Matheus Gato, “quando a música e a noite tomam o lugar das rotinas do trabalho diário, nos chinfrins e pagodes dos arrabaldes, mas também naqueles momentos de devoção e de fé”.
Quem foi Astolfo Marques
Raul Astolfo Marques nasceu em São Luís do Maranhão em 1876. Escritor, jornalista e tradutor, publicou contos e crônicas nos principais periódicos maranhenses à época e os livros A vida maranhense (1905), De São Luís a Teresina (1906), Natal (quadros) (1908) e A nova aurora (1913). Autodidata, trabalhou como contínuo na Biblioteca Pública do Maranhão, foi um dos fundadores do grupo de intelectuais Oficina dos Novos, que deu origem à Academia Maranhense de Letras, da qual foi membro.
Astolfo Marques fez literatura a partir da matéria viva de uma República jovem e da derrocada dos sonhos pós-Abolição ao escrever na virada do século 19 para o 20, na periferia do Brasil. Uma literatura daqueles que ansiavam pela liberdade e encontraram um Brasil desigual e hierárquico. Homem negro e livre de um tempo em que libertos e escravizados conviviam em todo o país, Astolfo escreveu histórias capazes de flagrar o momento e seu caráter cambiante sem poupar contradições e complexidades.
Morreu jovem, em 1918, aos 42 anos, na mesma cidade em que nasceu, São Luís, Maranhão, e tendo passado a maior parte da vida em um contexto pós-abolicionista, retratou sua época, que hoje é publicada em obra póstuma.
Em seu retrato pulsante da vida anônima, Astolfo Marques denuncia um Brasil que flerta, em discurso e ação, com uma república urbana e importada, mas que abriga em sua cartografia humana as marcas e as consequências de um passado que ainda se faz presente.