Os comediantes estão alinhados sobre o objetivo de fazer o público rir como tarefa primordial, mas, com sutileza, incluem nos seus textos temas para fazer o público refletir
Por Andressa Franco e Daiane Oliveira
“A comédia é o disparador do debate. Se a gente fosse estabelecer a função social do comediante, seria iniciar as conversas”, a definição é do humorista e professor de história Matheus Buente. Nascido e criado nas quebradas da Cidade Baixa, em Salvador (BA), faz sucesso com vídeos onde, entre outras coisas, comenta a política baiana.
Apesar de ter começado a trabalhar com stand up em 2014, a política sempre fez parte do seu repertório pela atuação no movimento estudantil na faculdade, e na luta sindical da categoria. Depois de dois anos fazendo “open mic”, eventos que dão oportunidade para que iniciantes no humor possam “dar uma palinha”, conseguiu seu próprio show. Com mais liberdade e com a “escrita cômica” amadurecida, passou a falar de política. O que coincidiu com a época do golpe institucional de 2016 contra a presidenta Dilma Rousseff.
“Uma forma de fazer denúncia é através da comédia. Eu adicionei questões políticas ao meu texto porque me revolta. Tem coisas que eu acho tão ridículas, que tenho que fazer piada pra ver se as pessoas percebem o quão é absurdo.”
A paulista de Osasco, Bruna Braga, tem 28 anos e há seis trabalha com stand-up. Período em que vêm acumulando um currículo extenso, além de 110 mil seguidores só no Instagram. O currículo é extenso, ela fez parte do primeiro grupo de stand up comedy black do país: Coisa de Preto; esteve em alguns dos mais importantes clubes de comédia de São Paulo; além de já ter participado de programas como The Noite, Programa do Porchat e Roda Vida. Ao lado de Emicida, já apresentou o Vai Ser Rimando. Fez parte do projeto Comediantes Resolvem Problemas do Mundo nas redes da Comedy Central Brasil, do time de roteirista de programas como Prêmio Multishow e Dani-Se, e do núcleo de humor na TV Globo.
Trabalhar com comédia era um sonho de infância, e a relação com a política sempre existiu. “Minha família veio da roça e de uma situação financeira pobre, sempre teve a boa e velha consciência de classe, consciência política. Sempre entendeu o que caminhava junto com os nossos direitos e o que era contra a gente.”
Apesar da influência, levou um tempo para que seus posicionamentos estivessem presentes em seus textos. Antes, a humorista precisava entender como fazer isso de um jeito engraçado. Apesar de não se considerar uma comediante política, ela achou um lugar para isso. “É muito difícil. Às vezes a gente acaba indo mais pro lado da amargura do que da graça, mas consegui achar esse lugar ainda que sutil”.
Tiago Banha, que há 11 anos atua com stand-up, lembra que quando buscou os grupos de comédia em Salvador para se apresentar, o cenário era muito restrito a um público de comediantes e espectadores que tinham uma condição financeira maior. Morador do bairro Castelo Branco, em Salvador, foi um dos primeiros negros no cenário municipal.
“Quando comecei só tinham dois comediantes negros, eu e um amigo que acabou até parando de fazer. Nessa época a gente se apresentava para um público de classe média alta, os shows começavam tarde, era tudo muito pensado para pessoas com grana consumirem.”
Para Banha, a política sempre esteve alinhada com o stand-up, já que a comédia avança junto com a sociedade. No entanto, apesar de sempre trazer temas raciais no seu texto, no começo da carreira era algo sutil. “Eu já abordava temas como racismo, na primeira vez que subi no palco fui vítima de racismo por parte de uma criatura que estava assistindo. Isso sempre esteve no meu texto, mas de forma sutil. Passo a deixar meu material mais ácido depois de alguns anos de carreira.”
Recepção do público
Quando o assunto é influência, a formação em história de Matheus Buente não só inspira seu discurso, a partir de referências e autores, como segurando a atenção da plateia pela experiência em sala de aula. Em Salvador, a recepção é maravilhosa. Para ele, o público que consome stand up e teatro na cidade é bem progressista. Mas não é sempre assim. Suas experiências em cidades como São Paulo (SP), por exemplo, dependem do bairro onde vai se apresentar. “Parece que você troca de país. Tem uma galera que fica: ‘Ei, vai falar do Lula não?’, como se o comediante tivesse obrigação de ser imparcial.”
Consequentemente, já foi aconselhado a não levar seu posicionamento político para o palco, e ao invés disso focar até mesmo em piadas preconceituosas. “O problema é que reforça estereótipos sociais, a gente deixa de ter um trabalho crítico e vira um comediante conservador”. O humorista acredita que, no Brasil, a sociedade se acostumou com uma classe artística que não se posiciona politicamente.
Bruna Braga concorda. Quando passou a levar questões raciais e políticas para as suas apresentações, percebeu que existem vários tipos de público. “As pessoas que me acompanham já sabem o que eu falo e estão ali porque se identificam”. Ainda assim, na internet, encontrou alguma resistência, “o público estava acostumado com outros tipos de discurso, e até de figuras, fisicamente falando, de pessoas que faziam comédia”.
Assim, também foi aconselhada, e ainda é, a não misturar assuntos e se posicionar politicamente no trabalho.
“Mas eu sempre digo que enquanto existir público para receber o que eu tenho pra dar, vou continuar fazendo do jeito que eu acredito e quem não quiser que não se posicione. Mas lembrando que não se posicionar também é posicionamento.”
Tiago Banha revela que em sua trajetória sempre ignorou os conselhos de que sua comédia teria que ser cautelosa, pensada para um público que não era o mesmo das comunidades. E reforça que a comédia é uma importante aliada quando se quer imprimir ideias políticas para o público.
“Humor é uma ferramenta absurda de orientação, instrução e impacto social. O humorista não tem obrigação de levar temas políticos e sociais para seu material, mas se ele optar, é muito válido. Em dados momentos eu faço isso, é um traço muito comum na comédia de Salvador.”
Stand-up ou palestra?
Por saber que seu público vai ao seu show, ou mesmo clica em seus vídeos, “desarmado, querendo dar risada e não assistir palestra”, Buente tenta plantar a semente do debate de forma que outros meios muitas vezes não conseguem. “Vão voltar pra casa comentando o show e perceber: ‘porra, essa ministra é complicada mesmo’, ‘é mesmo, esse prefeito roubou’, ‘rapaz, a gente deu risada, mas esse presidente é cheio de problema’.”
Uma dessas reflexões, se refere ao ex-prefeito de Salvador e candidato ao governo da Bahia, ACM Neto (União Brasil), que virou piada nacional por se autodeclarar negro à Justiça Eleitoral. Não só isso, também acusou o IBGE de erro por incluir pardos no grupo racial da população negra, em entrevista ao Bahia Meio Dia. O caso chegou a ganhar repercussão internacional, foi noticiado em uma emissora de TV espanhola.
“Como é que não se revolta? Um playboy daquele querer sequestrar a raça das pessoas? Ele tem que ser tratado como ridículo, passar vergonha. Então resolvi que toda vez que ele aparecer, eu vou tirar ele como otário.”, critica Buente, que afirma que apesar de não se autodeclarar negro, a origem periférica, a formação como professor de história e a militância o tornaram aliado do antirracismo.
Nas suas apresentações, os humoristas estão alinhados sobre o objetivo de fazer o público rir como tarefa primordial. Para Bruna Braga, o humor pode passar qualquer mensagem sobre qualquer assunto, é como ensinar brincando. “Meu objetivo é fazer as pessoas rirem tanto que vão pra casa pensando sobre o show. Eu poderia fazer palestra, mas eu quero fazer a pessoa chorar de rir, e quando deitar na sua cama pensar ‘puta merda era isso!’. O humor é uma ferramenta bem potente quando usada de maneira inteligente.”
Para Tiago Banha seu objetivo “é fazer rir, mas se atrelado a isso eu consiga fazer alguém refletir sobre algum assunto é melhor ainda”.
“A gente não tem que esperar do comediante soluções para os problemas sociais. Ele é um agente do caos, vai trazer o papo e o circo vai pegar fogo independente dele estar com a mangueira ou não pra apagar.”, finaliza Matheus Buente.