Por Matheus Souza
A autorização dada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) à Petrobras, na última quarta-feira (22), para exploração da Margem Equatorial está sendo celebrada, e vendida pelo presidente Lula (PT) e seu governo, como uma grande vitória para o país. A promessa, mais uma vez, é de que a decisão é o início da trajetória brasileira rumo à soberania energética nacional.
O discurso, muito bem envernizado com o compromisso de melhorar a vida do trabalhador, com novos postos de trabalho e mais recursos para o país, esconde lacunas e inconsistências entre o que a atual gestão federal fala, e o que realmente faz. A decisão ganha ainda mais força ao ter sido tomada há apenas três semanas do início da COP30, que acontece em novembro em Belém (PA), principalmente com a tentativa do governo em passar uma imagem de liderança na pauta ambiental global.
A Margem Equatorial, que se estende do Rio Grande do Norte ao Amapá, é composta por cinco bacias sedimentares: Potiguar, Ceará, Barreirinhas, Pará-Maranhão e Foz do Amazonas. A indústria do petróleo enxerga na região um grande potencial exploratório, já que há grande expectativa do setor na possível existência de poços do combustível fóssil sob as águas da área de 2.200 quilômetros ao longo da costa brasileira.
A região possui uma grande biodiversidade, abrigando espécies ameaçadas de extinção – como o peixe-boi-marinho – e os manguezais, cruciais para proteção natural da costa do país. É importante notar que, mesmo com a autorização do Ibama, não há até o momento nenhuma prova concreta de que haja realmente petróleo – ou quantidade expressiva dele – na região. A autorização fornecida pela instituição é justamente para liberar a realização de testes na área através da retirada de amostras do solo.
“Capitalismo Verde”
O governo Lula III vem assumindo uma postura inclinada ao Capitalismo Verde. Frente ao desequilíbrio ecológico atual e ao, cada vez mais próximo, colapso climático causado pela atividade industrial desenfreada, a abordagem tem uma postura, no mínimo, dúbia. Ao mesmo tempo que almeja reduzir as emissões de gases poluentes e firmar um compromisso de preservação com o meio ambiente, o ecocapitalismo procura a máxima eficiência na utilização dos recursos naturais e no atendimento das demandas de consumo.
O problema é que ambos objetivos são igualmente excludentes, e o que acaba acontecendo é uma defesa superficial do meio ambiente, já que os interesses do capital, principalmente estrangeiro, sempre se sobressaem.
Como exemplo recente, em junho deste ano a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) realizou o leilão de blocos de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas, área considerada sensível do ponto de vista socioambiental. Do total de 34 blocos arrematados em todo o certame, a Petrobras participou de apenas 13, sendo operadora em oito. A maior parte do controle das bacias ficou com a multinacional estadunidense ExxonMobil, enquanto a Chevron, também norte-americana, se tornou a principal operadora em consórcio com a estatal chinesa CNPC.
O Brasil não possui um sistema de refinarias suficiente para dar conta da demanda do país. Isso faz com que, apesar de ser uma potência na exploração do combustível, o Brasil apenas exporte petróleo bruto, e tenha de importar seus derivados, como gasolina, gás de cozinha, combustível para aeronaves, entre outros. A lógica de “país-fazenda”, utilizada para tratar do agronegócio brasileiro e o fato do país funcionar como um grande celeiro para o resto do planeta também se aplica aqui: somos ricos em recursos, mas carentes da tecnologia necessária para seu refinamento.
A narrativa de soberania se contrapõe também ao fato de que 45,82% das ações da Petrobras não pertencerem ao Brasil. Na prática, o aumento da produção de barris de petróleo não gera mais recursos para o país, e sim para os acionistas estrangeiros. Em 2024, apesar da queda de 70,6% no lucro líquido da companhia, que fechou o ano em R$36,6 bilhões, a Petrobrás pagou aos seus acionistas a quantia de R$75,8 bilhões, quarta maior distribuição de dividendos de sua história. Desse montante, 63,0% destinam-se a investidores privados: 46,4% para investidores estrangeiros e 16,5% a investidores brasileiros.
Organizações ambientais e povos afetados apontam contradições

Para além do impacto econômico, há o risco ambiental e social que a exploração da região pode acarretar. Apesar dos diversos acenos dados pelo presidente Lula às populações indígenas e quilombolas durante seu governo, a decisão de explorar a margem equatorial foi concretizada, mesmo sob a resistência e pedidos desses povos, já que a medida apresenta real risco para a existência dessas comunidades. No dia 23 de outubro uma coalizão de entidades ambientais, indígenas e quilombolas ingressou na Justiça Federal, em Belém (PA), com um processo para suspender a licença concedida pelo Ibama à Petrobras, que autoriza a perfuração de poços de petróleo no bloco FZA-M-59, na Bacia da Foz do Amazonas.
Tendo como alvo a União, o Ibama e a Petrobras, a ação é movida por oito organizações:
O Observatório do Clima (OC); Greenpeace Brasil; WWF-Brasil; Instituto Internacional Arayara de Educação e Cultura (Arayara); Comissão Nacional para o Fortalecimento das Reservas Extrativistas e dos Povos Extrativistas Costeiros e Marinhos (Confrem); Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab); Coordenação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Amapá (Conaq-AP); e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Na petição, as entidades afirmam que a licença emitida pelo Ibama apresenta “fragilidades técnicas e vícios insanáveis” no Estudo de Impacto Ambiental e no processo de licenciamento. As organizações alegam que o Ibama contrariou seus próprios pareceres técnicos, já que o órgão havia indeferido licenças parecidas em 2018 (para a empresa TotalEnergies) e em 2023 (para o mesmo bloco da Petrobras), citando incertezas e vulnerabilidade ambiental da região.
As acusações do processo contradizem o que declarou a ministra do meio ambiente, Marina Silva, em entrevista ao Canal Gov, no dia 22 de outubro. Na oportunidade, Marina afirmou que o Ibama conseguiu diversas melhorias para o projeto, trabalhando com rigor para priorizar a segurança ambiental do processo. “O Ibama deu uma licença técnica, todo o trabalho foi feito com muito rigor. Tanto é que essa licença vem sendo apreciada dentro do Ibama desde que era de uma empresa privada e que depois passou para a Petrobras, isso vem desde 2014”, disse.
As entidades ainda pedem na petição que o Ibama se abstenha de emitir novas licenças ambientais para empreendimentos petrolíferos na Margem Equatorial enquanto não houver um estudo completo e aprofundado sobre a viabilidade ambiental e climática da exploração.
O Ibama e a União teriam que disponibilizar dados transparentes sobre as emissões de gases de efeito estufa associadas à produção de petróleo no País e realizar consultas livres, prévias e informadas às populações indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais potencialmente afetadas.


