África do Sul reabre inquéritos de mortes de ativistas durante o apartheid

Quase 40 anos após crimes do apartheid, a reabertura de inquéritos traz à tona a luta por responsabilização e reparação
Imagem: Reprodução / The Washington Post

Por Karla Souza

A Justiça da África do Sul retomou as investigações sobre assassinatos de ativistas contra o apartheid, como o do líder Albert Luthuli – vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 1960 -, e o dos “Cradock Four”, grupo formado pelos ativistas Fort Calata, Matthew Goniwe, Sicelo Mhlauli e Sparrow Mkontoe, sequestrados e assassinados pela polícia de segurança sul-africana em 1985. Essas investigações ficaram paradas por décadas, cercadas de dúvidas e impunidade.

Reabrir esses casos levanta dúvidas importantes sobre como o Estado democrático agiu depois do fim do apartheid. No caso dos “Cradock Four”, os familiares criticam duramente o que chamam de falta de ação das autoridades. Eles dizem que houve uma “mistura perigosa” de preguiça, desinteresse, incapacidade e até interferência política, que atrapalhou o avanço das investigações. Sobre a morte de Albert Luthuli, que foi tratada como acidente, a família e ativistas questionam essa versão e acreditam que pode ter havido um encobrimento para esconder um assassinato.

Nos anos 1990, a Comissão de Verdade e Reconciliação (CVR) foi criada para investigar crimes políticos do apartheid e negou anistia a vários suspeitos. Mesmo assim, muitos processos criminais nunca começaram, e outros ficaram parados, aumentando a sensação de impunidade. Agora, a reabertura desses casos é vista como uma última chance de buscar justiça para crimes que ficaram sem resposta por tanto tempo.

O advogado Howard Varney, que representa algumas famílias, disse à Justiça que as mortes foram parte de uma decisão “calculada e planejada” pelos líderes do regime do apartheid. Isso mostra não só a brutalidade da repressão, mas também que a violência foi organizada e sistemática, e por isso é importante investigar quem estava por trás dessas ordens.

Por causa das denúncias sobre atrasos e falta de investigação, o presidente Cyril Ramaphosa criou, em abril, uma nova comissão judicial. Além disso, 25 famílias de vítimas, incluindo parentes dos Cradock Four, entraram com um processo contra o governo, dizendo que houve uma “falha grave” na forma como as investigações foram conduzidas e na responsabilização dos culpados.

A jurista Sibongile Ndashe resumiu bem: “Diante das desigualdades tão grandes e de gerações que viveram e sofreram durante o apartheid, essa conversa precisa voltar para o nosso dia a dia”.

O que foi o Apartheid

Apartheid foi um sistema de segregação racial que existiu na África do Sul entre 1948 e 1994. Ele dava privilégios à minoria branca e excluía os negros e outros grupos marginalizadoss de espaços públicos, de uma educação decente e de oportunidades de trabalho.

Várias leis mantinham esse sistema, como a de Terras Nativas (1913), que limitava os “nativos” a apenas 13% do território do país; a de Áreas Urbanas (1918), que obrigava os negros a morarem em locais específicos; além da proibição dos casamentos entre raças diferentes (1949), o registro populacional (1950), a lei de Áreas de Agrupamento (1950) e a reserva dos benefícios sociais (1953). Essas leis formalizaram a discriminação e o controle da vida das pessoas não brancas do país africano.

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