Por Andressa Franco
Qual é o projeto político do Movimento de Mulheres Negras para o Brasil? Por que podemos considerar a 2ª Marcha Nacional de Mulheres Negras como um movimento global? Por que esse é o momento da radicalidade política dar o tom na luta por Reparação e Bem Viver?
Essas e outras perguntas disparadoras orientaram a análise de conjuntura promovida pelo Encontro Regional de Mulheres Negras do Nordeste em Marcha por Reparação e Bem Viver, que está acontecendo no Recife (PE). O objetivo é promover a troca de experiências, o planejamento e a definição de estratégias de mobilização para a 2ª Marcha Mulheres Negras no Brasil, marcada para 25 de novembro de 2025, em Brasília (DF), fortalecendo o papel do Nordeste nesse processo.
Os impactos da política internacional e das eleições ao redor do mundo, que tem demarcado o avanço do conservadorismo e da extrema direita; a apropriação, captura e esvaziamento das agendas e discursos do movimento negro; a luta por território para as comunidades tradicionais; e as trocas intergeracionais entres o movimento de mulheres negras, foram alguns dos temas que nortearam o debate.
As ativistas Socorro Guterres, da Rede de Mulheres Negras do Maranhão; Thais Vital, da Abayomi – Coletiva de Mulheres Negras na Paraíba; Francisca Senna, da Rede de Mulheres Negras do Ceará, e Marta da Paixão, Ativista Quilombola do Piauí, debateram estas e outras questões, sob mediação de Naiara Leite, coordenadora executiva do Odara – Instituto da Mulher Negra.
“Quando a gente diz que a marcha é global, a gente está falando que as narrativas das mulheres que lutam por uma Palestina livre estão aqui. Quando a gente fala que a vitória de Donald Trump tem um impacto para nós enquanto América Latina e Caribe estamos trazendo elementos do ponto de vista do capitalismo, da perspectiva econômica, da hegemonia, que estão postos. Então por que é tão importante a Marcha das Mulheres Negras de 2025 ser chamada de marcha global?”, questionou Naiara.
Em sua contribuição ao debate, Socorro Guterres expressou preocupação em relação ao recente retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, e para a influência que o pensamento ideológico fascista tem exercido no território brasileiro.
“O Trump nem tomou posse ainda, mas venceu as eleições, e vivemos no Brasil manifestações terroristas”, afirma, em referência ao ataque a bomba no Supremo Tribunal Federal (STF). “Ao mesmo tempo que temos essas manifestações extremas, vivemos as manifestações de violências cotidianas com a ausência das políticas públicas nos nossos territórios, a violência que os territórios quilombolas e indígenas vivem com a morte dos seus defensores e defensoras. Nesse contexto, a gente vai pensar: esse sentido de democracia é o projeto que nós mulheres negras queremos?”, provocou Socorro Guterres, destacando ainda o crescimento da violência política de gênero que tem sido enfrentado pelas poucas mulheres negras que ocupam cadeiras enquanto parlamentares no país.
Já Francisca Senna não deixou perder de vista a relação indissociável entre capitalismo e racismo. A ativista fez um alerta a respeito da captura que tem sido feita por diversos segmentos, empresas e instituições a respeito das narrativas, vivências e trajetórias do movimento negro.
“Parece que o letramento racial é fazer a revolução, mas eu queria dizer que, depende do letramento racial. Se a gente vai desarticulado de um projeto maior, não quer dizer nada. Porque inclusive, o Unibanco, o Bradesco, a Coca-Cola, estão fazendo o letramento racial. Passando merthiolate nas nossas feridas”, pontuou sob aplausos.
A piauiense Marta da Paixão lembrou que terra é poder, ao denunciar os desafios enfrentados pelas comunidades quilombolas para garantir a titulação de seus territórios. Enquanto a paraibana Thais Vital dedicou sua análise a defender que não existe movimento de mulheres negras sem a troca intergeracional.
“Eu sinto que o que a gente está fazendo aqui é atender ao chamado de Lélia Gonzalez quando ela fala que nosso lema tem que ser: organização já. Só através da nossa organização e coletividade vamos alcançar o Bem Viver. O que nós dessa geração mais jovem precisamos além de olhar para o futuro?”, comentou Thais, lembrando o significado do ideograma africano Sankofa: voltar ao passado para ressignificar o presente e construir o futuro. “Como eu chego aqui dizendo que quero marchar em 2025 sem olhar o caminho que essas mulheres construíram antes de mim?”, completa.
Ainda durante o sábado (7), o Encontro promoveu um Aulão sobre Reparação e Bem Viver, e se dividiram por estados para mapear e analisar o processo de mobilização rumo à Marcha em cada território.
Neste domingo (8), as ativistas vão compartilhar como tem se dado a organização em seus estados e dialogar sobre as estratégias para mobilizar os recursos necessários para chegar até Brasília.