Texto: Divulgação
Na próxima quarta-feira (9), a partir das 9h, em frente a Câmara Municipal de Cachoeira, acontecerá o Ato Justiça por Tainara Santos, que denuncia o desaparecimento e feminicídio da jovem quilombola de 27 anos, trancista, mãe de duas filhas de 11 e 2 anos. A ação é organizada por familiares de Tainara e movimentos sociais da Bahia.
Tainara, quilombola da comunidade de Mutecho e Acutinga, na Bacia do Iguape, em Cachoeira (BA), tinha medida protetiva contra George da Silva, ex -companheiro e pai da sua filha de 2 anos. Familiares e amigos relatam que o relacionamento que durou seis anos foi marcado por violência e medo.
Mesmo com a medida protetiva, George e Tainara se encontraram no dia 9 de outubro, quando a jovem foi até o ex-companheiro por volta das 7h da manhã e mais tarde foi vista em uma lan house acompanhada de mais três homens. No mesmo dia, o irmão de Tainara também a encontrou sentada em uma praça, junto ao ex-companheiro. Ele foi a última pessoa a encontrá-la, e ela jamais voltou para casa.
No dia 19 de dezembro de 2024 o Ministério Público da Bahia (MP-BA) registrou a denúncia contra George por extorsão, ameaça, feminicídio e ocultação de cadáver. Nos dias 26 e 27 de março, aconteceram as primeiras audiências de instrução e julgamento do caso, marcando um passo importante na batalha por justiça por Tainara. Durante a audiência, familiares e testemunhas expressaram angústia e revolta diante da falta de respostas das autoridades. De acordo com a família, o único apoio que têm recebido vem do movimento de mulheres negras. A Prefeitura de Cachoeira, além de não oferecer suporte na busca por Tainara, também tem negado atendimento terapêutico para a filha mais velha da jovem.
Itamara Santos, irmã de Tainara, relata a inquietação das sobrinhas, que questionam constantemente o paradeiro da mãe. “A mais velha começou a receber apoio psicológico na escola em que estuda, mas com o recesso escolar, esse apoio foi interrompido, o que não deveria ter acontecido. Independente do recesso, o apoio não podia parar”, relata Itamara.
Coletivos e organizações de mulheres como a Associação Papo de Mulher, a Campanha Levante Feminista contra o Femicidio, a Casa Mariele Franco, o Coletivo de Mulheres do Calafate, o Coletivo Mahin, o Grupo de Trabalho sobre o Feminicidio (GTFEM), o Odara – Instituto da Mulher Negra, a Rede de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres e a Tamo Juntas, estão organizadas, incidindo pela agilidade do julgamento e acolhimento da família da vítima. O processo está em curso e após a instrução da ação aguarda a decisão da juíza, a expectativa é que o caso vá a júri popular.
TAINARA NÃO FOI A ÚNICA
“O objetivo da mobilização em Cachoeira é chamar a atenção da sociedade para os crescentes casos de feminicídio na Bahia, denunciar o descumprimento sistemático das medidas protetivas e a precariedade dos serviços especializados para mulheres em situação de violência, além de exigir celeridade do Poder Judiciário”, afirma Joyce Souza, ativista do Instituto Odara, que acompanha a luta por justiça no caso de Tainara dos Santos através do Projeto Quilomba – Pela Vida das Mulheres Negras.
A denúncia feita por Joyce ecoa na pele de muitas mulheres negras e quilombolas, cujas vidas são sistematicamente ameaçadas pela combinação perversa do racismo, do machismo e da omissão do Estado. Os dados não deixam dúvidas: segundo levantamento da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) e da organização Terra de Direitos, a violência contra mulheres quilombolas cresceu 125% nos últimos anos. Isso inclui desde ameaças até feminicídios, e está diretamente ligado à falta de acesso a serviços básicos, à ausência de políticas públicas eficazes e à violência institucional que silencia e revitimiza essas mulheres.
Cachoeira conhece essa realidade de perto. Em novembro de 2019, a cidade foi marcada pelo brutal assassinato da jovem Elitânia de Souza, de 25 anos. Estudante do curso de Serviço Social na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Elitânia foi executada a tiros por Alexandre Passos Silva Góes, ex-namorado que não aceitava o fim do relacionamento. Naquela noite, ela voltava da aula com uma amiga quando foi surpreendida. Elitânia já havia denunciado Alexandre duas vezes por agressões e ameaças, tinha uma medida protetiva expedida pela Justiça de São Félix e aguardava outra da Justiça de Cachoeira. A segunda medida nunca chegou. O sistema de proteção falhou, novamente.
Cinco anos depois, o silêncio violento do Estado volta a fazer eco. Em 9 de outubro de 2024, Tainara dos Santos, jovem quilombola de Cachoeira, desapareceu. Tainara também já havia procurado a justiça e pedido medida protetiva contra o ex-companheiro George Anderson Santos, hoje principal suspeito do crime. Vivia sob constantes agressões e ameaças. E mais uma vez, nada foi feito a tempo. O desaparecimento de Tainara é mais uma página de uma longa história de negligência e descaso.
Duas mulheres negras. Duas jovens quilombolas. Duas vítimas do machismo, do racismo, e de um Estado que insiste em fechar os olhos. A violência contra as mulheres negras e quilombolas não é acidente. É projeto que naturaliza a dor, silencia os gritos por socorro e transforma as denúncias em estatísticas.