Brasil é condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em caso de racismo de 1998

O caso julgado foi a denúncia de duas mulheres negras que sofreram discriminação durante o processo seletivo de uma vaga de emprego na empresa Nipomed

Da Redação

Depois de décadas, o Estado Brasileiro foi condenado por decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pela impunidade nos casos de discriminação racial contra Neusa dos Santos Nascimento e Gisele Ana Ferreira Gomes, cometidas pela empresa Nipomed.

Trata-se de um caso ocorrido em 1998, quando Neusa e Gisele tentaram se candidatar a vagas de pesquisadora anunciadas no jornal, disponíveis na empresa de saúde Nipomed, em São Paulo (SP). Mas, ao chegarem no local, foram informadas de que as vagas já haviam sido preenchidas. Horas depois, no entanto, uma mulher branca se ofereceu para o cargo na mesma empresa e foi imediatamente contratada. As três possuíam formação acadêmica e nível de experiência profissional equivalentes, o que deixou evidente a discriminação no processo.

Diante disso, Neusa e Gomes denunciaram o crime. No entanto, o processo se arrastou por mais de 10 anos, e foi encerrado em 2009 com absolvição por insuficiência de provas.

As vítimas nem sequer chegaram a ser notificadas oficialmente quando o processo foi arquivado, tendo acesso à informação por meio do Geledés Instituto da Mulher Negra, que acompanha o caso. O processo também foi analisado pela ONG CRIOLA, para propor protocolos de ação para o sistema judiciário brasileiro.

Em 2024, a CRIOLA identificou um aumento expressivo de mulheres negras de diferentes categorias e ocupações profissionais que buscaram o Programa de Suporte à Defensoras e Enfrentamento às Violências, realizado pela ONG, onde foram orientadas sobre situações de violência racial e de gênero no ambiente de trabalho.

Embora episódios como esses sejam recorrentes no país, foi apenas no ano anterior, 2023, a primeira vez que o Estado brasileiro admitiu formalmente esse tipo de violação. A partir do caso de Neusa e Gisele, o Brasil reconheceu perante a Corte Interamericana a violação dos direitos das mulheres à duração razoável do processo criminal em julgamentos relacionados à discriminação racial no ambiente profissional. 

Sentença

Em sua decisão, o Judiciário da Organização dos Estados Americanos (OEA) considerou que houve reprodução de racismo institucional e falta de devida diligência por parte das autoridades envolvidas no processo judicial. Além disso, a Corte contatou que as autoridades judiciais transferiram para as vítimas a responsabilidade de provar a discriminação, desconsiderando o contexto racial e a obrigação estatal de garantir a equidade na investigação.

Em seu voto, a juíza Nancy Hernández López, ressaltou ainda que a Corte Interamericana tem analisado casos de danos ao projeto de vida e que a jurisprudência vem reforçando a importância de reparações mais abrangentes, além da compensação financeira.

“Ao tratar esse tipo de dano de forma abrangente, o Tribunal destaca que seu impacto vai além das perdas econômicas ou físicas, abrangendo um ataque direto à liberdade de escolha e à capacidade de moldar o próprio destino, o que constitui uma violação de direitos humanos fundamentais”, argumentou.

Entre as determinações do tribunal para o Brasil estão:

  • Realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade e pedido de desculpas às vítimas;
  • Pagar as indenizações às vítimas;
  • Adotar protocolos específicos para investigação e julgamento de crimes de racismo;
  • Incluir conteúdos sobre discriminação racial nos currículos de formação do Judiciário e do Ministério Público;
  • Implementar um sistema de coleta de dados para monitorar o acesso à justiça por populações afrodescendentes, especialmente mulheres negras;
  • Criar medidas para prevenir a discriminação em processos de contratação de pessoal.

Para Thula Pires, associada à ONG CRIOLA, perita no acompanhamento do caso e professora de direito na PUC-RIO, a decisão da CIDH é emblemática por reconhecer que os atos e omissões das autoridades judiciais quanto à condução do processo reproduziram o racismo institucional.

“A implementação das medidas indicadas demandará vigilância permanente da sociedade civil, tanto em relação ao cumprimento dos prazos e ampla participação na formulação das políticas indicadas, quanto diante dos entraves que podem ser impostos por quem se beneficia com a perpetuação do racismo patriarcal cisheteronormativo”, disse.

Leia a decisão na íntegra.

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