Casal gay é agredido com barra de ferro por vizinho militar em Minas Gerais

A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), presidida pela deputada estadual Andréia de Jesus (PSOL), recebeu no último domingo (13) uma denúncia de crime de homofobia na capital do estado, Belo Horizonte.

Há pouco mais de um ano, o casal vêm sofrendo ataques homofóbicos do vizinho, um sargento de 48 anos

Por Andressa Franco

A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), presidida pela deputada estadual Andréia de Jesus (PSOL), recebeu no último domingo (13) uma denúncia de crime de homofobia na capital do estado, Belo Horizonte.

O relato é do advogado João Augusto Maia, de 24 anos, e do seu namorado, o estudante de nutrição Matheus Felipe Batista, de 36 anos. Há pouco mais de um ano, o casal vêm sofrendo ataques homofóbicos de um sargento da Polícia Militar de Minas Gerais de 48 anos, vizinho dos mesmos em um condomínio de quitinetes, administrado pela Sagel Imobiliária.

O caso aconteceu no bairro Carlos Prates, região noroeste de Belo Horizonte. Depois de um ano sofrendo ofensas relacionadas à sexualidade e ameaças do vizinho, as vítimas se viram obrigadas a mudar do imóvel em que moravam. Mas ao voltar ao local para buscar os últimos pertences, foram surpreendidos com sinais de arrombamento na porta.

João ligou para a polícia, e foi quando o homem ouviu a conversa e interviu com xingamentos. Chegou a dar voz de prisão, se apresentando pela primeira vez como policial, o que Matheus acreditou que fosse mentira. O vizinho então entrou em casa e voltou com uma barra de ferro. “Ele chegou a falar ‘até que enfim eu vou matar um viadinho’, essas foram palavras dele”, lembra Matheus, que foi golpeado por todo o corpo antes de conseguir revidar e desarmá-lo.

“Se eu não entendesse pelo menos um pouco de defesa pessoal, estaria morto. Ele estava dando cacetada na minha cabeça com uma barra de ferro, é muito difícil saber que eu poderia ter virado estatística e que nesse momento você poderia estar entrevistando a minha mãe sobre o meu velório”, acrescenta entre lágrimas.

As vítimas foram encaminhadas ao Hospital Odilon Behrens onde passaram por exame de corpo de delito. Desde o ocorrido, estão morando na casa da mãe de Matheus, que, de acordo com ele, fica a cerca de 700 metros do endereço anterior.

“Estamos apavorados, principalmente depois de descobrir que ele é um policial da ativa. Toda vez que a gente vê um carro de polícia a gente fica assustado. O João precisa trabalhar e pra ele tá sendo difícil, ele tem que ir e voltar de uber. Anteontem (14) eu tive que ir buscá-lo porque ele estava com medo. Estamos precisando buscar as coisas [na quitinete] e a gente não teve apoio da polícia militar até agora para uma escolta”, desabafa o estudante, que deixou os móveis desmontados no local e até mesmo comida na geladeira no dia da mudança.

O caso está sendo acompanhado pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, que acompanhou as vítimas na 4ª Central de flagrantes da Polícia Civil junto às testemunhas.

Por serem muito reservados, inicialmente comunicaram apenas à imobiliária, que não fez nada a respeito. E preferiram ignorar o vizinho, acreditando que assim ele pararia os ataques, não querendo acionar a polícia, por medo da repercussão. Decisão da qual hoje Matheus se arrepende. “Hoje eu vejo um erro muito grande nisso. A gente não imaginava que ia chegar a esse ponto”.

Só no dia 22 de janeiro, quando as ameaças se voltaram diretamente para Matheus, o caso foi levado a Polícia Militar e registrado em um Boletim de Ocorrência. “[…] Este relatou que o morador do apartamento 6 […] na manhã de hoje, veio a chamá-lo de travesti e maconheiro desgraçado e ameaça-lo com os seguintes dizeres ‘Vou te matar seu desgraçado! Vou te pegar na rua, assim que você sair!’”, diz um trecho do documento.

“Viadinho”, “travesti”, “desgraçado” e “filho da puta” foram algumas das ofensas relatadas pelo casal no registro do B.O., além das ameaças, como “vem pra rua, que vou sair na porrada com você!”. A equipe policial que registrou a denúncia tentou contatar o vizinho, mas sem êxito. “As partes envolvidas foram orientadas a adotarem providências judiciárias e foram liberadas no local”, finaliza o boletim.

Boletim de Ocorrência Janeiro 2022

“Eu tenho 36 anos, passei por um período dentro do Brasil em que a homofobia era muito maior. Eu já sofri preconceito, mas, talvez pelo privilégio de ser branco, não a ponto de brigar”, ressalta. “Eu sofri homofobia na família como todo gay sofre, mas ninguém nunca tentou me agredir ou me ameaçou de morte por eu ser gay”.

Depois de agredidos fisicamente, o casal encontrou resistência na delegacia para registrar o novo B.O. como crime de homofobia, o que ocasionou a perda do flagrante. “Nós perdemos a o flagrante porque a polícia se negou a levar a testemunha. Eu pedi para que fosse levada, a testemunha se prontificou. Mas o policial falou que só no processo dos inquéritos ela seria chamada”. A denúncia como crime de homofobia só foi garantida após muita insistência de um representante da Comissão de Direitos Humanos da ALMG, dos advogados e de uma rede militante.

“Consideraram uma briga de vizinhos. Foi a Comissão de Direitos Humanos que lutou muito junto com meus advogados, porque não queriam tipificar como homofobia”, acrescenta Matheus.

Tipificação de homofobia como crime ainda é um desafio

Não é a primeira vez que vítimas LGBTQIA+ sofrem preconceito em delegacias e não têm os direitos garantidos. Minas Gerais está entre os estados brasileiros que não possuem a tipificação de homofobia como opção de registro no sistema. O que dificulta o monitoramento dos números de LGBTfobia no Brasil.

Por isso mesmo, a ONG All Out, focada no apoio jurídico à população LGBTQIA+, lançou na última quinta-feira (10) uma petição online pedindo que os crimes de LGBTfobia sejam tipificados no momento do registro do boletim de ocorrência.

Além da ALMG, também acompanham o caso a Comissão de Diversidade Sexual da OAB-MG, que cobrará providências, e o Ministério Público de MG. O casal também recebeu assistência de Walkiria La Roche, coordenadora do Centro de Referência Homossexual de Minas Gerais.

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