“Com o atual Governo Federal, as faltas enfatizam-se na educação do campo”, afirma professora da comunidade quilombola de São Tomé (BA)

O dia 15 de outubro marca o Dia do Professor, mas também o Dia Internacional da Mulher Rural. Em entrevista para a Afirmativa, a professora Juliana Anastácia compartilha as especificidades de quem vivencia a realidade dos dois grupos

O dia 15 de outubro marca o Dia do Professor, mas também o Dia Internacional da Mulher Rural. Em entrevista para a Afirmativa, a professora Juliana Anastácia compartilha as especificidades de quem vivencia a realidade dos dois grupos

Por Andressa Franco

Imagem: Arquivo Pessoal

O dia 15 de outubro é conhecido por marcar o Dia do Professor(a), feriado instituído pela professora, jornalista e primeira deputada negra do Brasil, Maria Antonieta de Barros, através da Lei Nº 145, de 12 de outubro de 1948. Mas os professores não são a única categoria homenageada na data. O dia 15 também celebra o Dia Internacional da Mulher Rural, implementado pela Assembleia Geral das Nações Unidas com objetivo de destacar o papel e a situação das mulheres das áreas rurais.

Para entender os desafios, opiniões e especificidades de quem vivencia a realidade desses dois grupos, a Afirmativa conversou com a professora Juliana Anastácia dos Santos, de 34 anos. Licenciada em Geografia, pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), trabalha e reside na comunidade de remanescentes quilombolas de São Tomé, interior do município de Campo Formoso (BA), onde é professora no Colégio Estadual Quilombola de São Tomé – CEQST. A escola atende em torno 200 alunos oriundos da zona rural dos municípios de Campo Formoso, Mirangaba e Umburanas.

Revista Afirmativa: Como professora e moradora do campo, quais as especificidades e desafios enfrentados?

Juliana Anastácia: Ser professor em si já diz sobre os desafios. Ser mulher, professora e moradora do campo passa por sentimentos de luta, resistência, resiliência, conquistas e gratidão trazidos comigo. E sempre que possível trago comigo a amorosidade no sentido de Paulo Freire “[…] a coragem de lutar ao lado da coragem de amar”. As dificuldades são muitas. Estávamos em um período próspero, com uma série de conquistas e aquisição de direitos, porém com o atual Governo Federal as faltas enfatizam-se para a população do campo e na educação do campo. Falta assistência social às famílias carentes, medicação no Programa Saúde da Família, falta o transporte escolar de qualidade com segurança. Chega a faltar o respeito às especificidades individuais entre as pessoas. Afinal a competitividade costuma sobressair quando a população está sujeita às mazelas e ao abandono. Neste período pandêmico, o assistencialismo perdeu espaço para o ódio, para o desamor.

R.A.: Dentro do município de Campo Formoso há diversas comunidades quilombolas reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares. Nesse sentido, qual a importância do investimento em escolas da rede estadual dentro dessas comunidades?

J.A.: A educação quilombola é recente no Brasil, amparada pela Constituição Federal de 1988, quando nas Disposições Transitórias estima a identidade, a cultura os valores e os costumes de um povo. Daí, a LDB 9394/96 sendo prevista no artigo 2º: XII consideração com a diversidade étnico-racial. Desde então, as políticas educacionais vêm suprindo as necessidades para atender a realidade. Neste sentido, com intuito de equiparar as distorções de acesso, permanência e combate à evasão escolar torna imprescindível oferecer educação de qualidade. Para tanto, investimentos na valorização dos profissionais, formação continuada, melhores infraestruturas, implantação de profissionais de saúde dentro da escola, como psicólogos e enfermeiros. Meu anseio é uma escola quilombola que motive nossos alunos a serem melhores, não melhores que outras pessoas, mas capazes de deixar o mundo melhor para as futuras gerações.

Professora Juliana Anastácia no Projeto Diálogos Cotidianos – CEQST – (Imagem: Arquivo Pessoal)
R.A.: Quais você destacaria como principais dificuldades e obstáculos dos estudantes das comunidades quilombolas no dia a dia escolar, em relação a estudantes em outros contextos?

J.A.: As disparidades idade/série, e a exaustão física, pois muitos trabalham no turno oposto para colaborar na renda familiar, situação que desfavorece nas aprendizagens, principalmente na resolução das atividades para casa.  Além de outras situações, como as sociais: as condições das moradias, as alimentações com baixo teor nutritivo, pouco ou nenhum acesso ao saneamento básico. Tudo isso, ainda, agravado no período atípico pandêmico atual, dos quais a recessão econômica encareceu a cesta básica e os serviços básicos: água, energia e internet, ocasionando, por sua vez, menor poder de compra e desvalorização do salário mínimo. Ainda sobre as dificuldades, durante o ensino remoto ofertado nas escolas no período mais crítico da pandemia, visto a demora nas negociações na compra das vacinas, percebemos a pouca frequência nas aulas online que, consequentemente, desfavoreceu a aprendizagem da maioria significativa dos nossos alunos.

Meio ambiente e saúde Prevenção das doenças ocasionadas pelo Aedes aegypti – (Imagem: Arquivo Pessoal)
R.A.: Como potencializar a garantia de acesso e da qualidade de ensino nas comunidades quilombolas?

J.A.: Para responder essa pergunta quero parabenizar o Governo do Estado da Bahia pelo Programa Bolsa Presença, pelo PRES, o Programa Retorno Seguro. Sou apaixonada pelo trabalho que desenvolvo, portanto estou sempre buscando me qualificar nas condições que tenho, no tempo disponível. Por isso ressalto a importância de ofertar Educação Profissional nas Escolas Quilombolas, ofertar cursos que atendam os interesses da população, da economia local, assim evitar o êxodo, migração. Manter os jovens em suas origens, com sua identidade, reafirmar seu pertencimento, ofertar cursos profissionalizante de curto e médio prazo, concomitantes ao ensino médio. Na minha atuação docente, eu busco investir em práticas laborais do campo e conservação do meio ambiente. Além de constantes formações para o desenvolvimento de metodologias ativas, com oficinas de reciclagens e reaproveitamento de garrafas PET. O ProJovem (Programa Nacional de inclusão de Jovens – MEC) torna-se relevante, mas para estender sua clientela deve ser estendida sua faixa etária para os maiores de 30 anos. Até porque, o Brasil tem uma dívida educacional com estas pessoas. Fortalecer o Programa Universidade Para Todos, o cursinho pré-vestibular gratuito que mais aprova nas Universidades Baianas; aumentar os acessos dos alunos quilombolas com mais extensões dos pólos. Para tanto, mobilizar as comunidades, seus alunos, pais e professores para a formação e o retorno dos profissionais às suas origens. Não devemos esquecer as universidades públicas. Sou deslumbrada pela UNEB, pois mesmo com todas suas dificuldades, conseguiu chegar aos extremos do estado da Bahia, talvez locais pouco acolhedores, com baixas condições para sobrevivência, mas chegou, captando alunos ou formando profissionais que atendem estas regiões.  

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