Pouco a pouco, a lentos passos a consciência racial da sociedade brasileira aparentemente vem se modificando. Sem perder de vista que somos um universo formado por milhões, qualquer análise pouco aprofundada sobre a política racial do Estado brasileiro deverá concluir que nos últimos 150 anos isso não é novidade. No entanto, isso não tem significado a superação de práticas e opiniões antigas. Desde a desumanização da escravidão até os tempos atuais o fato é que a pena de morte da gente negra tem sido uma política de Estado que está além da legalidade e tem sido tocada pelo seu braço armado a polícia militar.
Duas reivindicações do movimento negro recentemente tem sido parte da agenda de secretarias e ministérios do governo. São elas: as cotas para ingresso em instituições e universidades públicas e o extermínio da juventude negra. As cotas raciais durante muito tempo foi um tema polêmico e até hoje não foi engolida pela elite branca herdeira de senhores de engenho. Hoje, depois de passados mais de dez anos que esta política passou a ser implantada em Universidades públicas, observamos atentos às primeiras manifestações de setores de dentro das próprias universidades pelo fim das cotas.
Mas não há muito a se festejar. Apesar da suprema corte ter referendado a constitucionalidade das cotas raciais e sociais em concursos, a questão se quer foi pautada pelo falacioso Estatuto da Igualdade Racial sem força de mudança efetiva para a vida da maioria negra. Esses fatos provam que embora seja reconhecida a vitória do movimento negro que pautou a questão em vários segmentos da vida pública, há muito que se conquistar e muitos inimigos a se derrotar. Contra as cotas existem, genocidas.
Muitos talentos tem tido suas carreiras abreviadas. São crianças e adolescentes como o menino Joel, capoeirista e peça de marketing do governo. Joel foi morto no Nordeste de Amaralina, atingido por um disparo de bala policial, o que gerou dor e revolta entre os moradores do bairro, e os irmãos Ricardo e Ênio, o último assassinado em 10 de março de 2013, exatamente na data em que se completava um ano do oferecimento da denúncia contra os policiais envolvidos na execução de Ricardo. Ricardo era artista circense e foi assassinado junto com outro jovem negro. Além deles, diversos outros jovens tem sido abatidos ainda no início de sua vida criativa.
A raiva e a tristeza vêm roubando o lugar da esperança de mães e pais, famílias são desestruturadas quando não eliminadas e o “futuro da nação” é exterminado. É o resultado do custo Brasil: matar é mais barato do que investir em políticas públicas. Para a juventude negra o primeiro teste antes de concorrer a uma vaga nas universidades e na administração pública pela política de cotas é se manter viva.
Segundo dados oficiais, só em Salvador foram 1.482 mortes violentas no ano de 2013. Porém, a redução de 10,7% no número de mortes não reflete a sensação de aumento da violência constatada pela população. Há uma intenção governamental de que os números de corpos reduzam, no entanto, o único incentivo para isto é uma compensação salarial por policial, enquanto a população negra fica com o desejo de ser o alvo de outra política tão eficaz quanto a bala policial.
Enquanto isso, o que está por trás dos dados estatísticos são famílias destroçadas, jovens desaparecidos e policiais ostentando poder de decidir até quando viveremos. Nosso desafio é tornar a presença de jovens negros em universidades um instrumento e compromisso na missão de por fim ao genocídio do povo negro, o fim da matança. Pra nós só há dois caminhos: ou vencer ou morrer lutando.
* Professor de matemática da rede pública no subúrbio ferroviário de Salvador, graduado em Matemática pela UEFS, mestre em Ciências Sociais pela UFRB e articulador da Campanha Reaja ou Será Morta, Reaja ou Será Morto.