“Muito barulho, mas efetivamente pouca coisa aprovada”, afirma cientista político sobre a reforma que teve como destaque a contagem em dobro para mulheres e negros na distribuição de fundo partidário
Por Andressa Franco
Imagem: José Cruz/Agencia Brasil
Nos últimos meses, foram muitas as discussões que acompanharam o debate sobre uma reforma eleitoral que resultaria em muitas mudanças para as disputas de 2022, gerando suspense e medo de retrocessos. A modificação no sistema chegou a ser considerada a maior desde a Constituição de 1988, e tentou emplacar em tempo recorde, e sem participação popular, as mudanças para terem validade a partir das próximas eleições.
O Senado Federal tinha até o último sábado (2) para bater o martelo a respeito do que passaria e do que seria vetado. Em sessão solene semipresencial no dia 28 de setembro, o Congresso Nacional promulgou a Emenda à Constituição (PEC) com as alterações.
A PEC que deu origem à essa emenda constitucional foi aprovada na Câmara dos Deputados em agosto. Em 22 de setembro, o texto foi aprovado pelo Senado em primeiro turno, com 70 votos favoráveis e 3 contrários, no segundo turno foram 66 favoráveis e 3 contrários.
Para relembrar, chegaram a ser feita propostas como: reforma da lei eleitoral sem reserva de verbas para negros e mulheres; a mudança do sistema de eleição de deputados e vereadores; o afrouxamento de punições pelo mau uso de verbas públicas no período eleitoral. Entre as ambições, também foi discutido o voto eletrônico impresso, que ganhou bastante repercussão.
Sobre esse ponto, a covereadora da Mandata Nossa Cara (PSOL-Fortaleza), Louise Santana, acredita que a questão não é sobre ganhar ou perder – que foi o que aconteceu. “A questão é a quantificação da força, hoje Bolsonaro sabe que tem uma determinada galera que está com ele para tudo. A mensagem transmitida com os 229 votos [a favor] é que fica nítido como as presidências do Senado e da Câmara estão dispostas a negociar qualquer coisa”, opina.
Para a covereadora, a matéria nem sequer deveria ter sido levada à votação. A justificativa de votar para a derrota efetiva e encerramento do debate, apenas colocou em xeque o processo democrático e deu abertura para os questionamentos da legitimidade de uma derrota de Bolsonaro no próximo pleito presidencial.
“Me parece que na verdade essa última discussão em 2021 foi muito barulho, mas efetivamente pouca coisa aprovada”, é o que diz o cientista político Márcio de Carvalho. Mas diante deste cenário confuso, o que de fato vai começar a valer nas próximas eleições?
Coligações
O texto aprovado na Câmara dos Deputados em agosto, previa o retorno das coligações partidárias nas eleições proporcionais. O Senado, no entanto, derrubou essa possibilidade que, para Louise, seria desastrosa e geraria retrocessos. “A volta das coligações dificulta porque a disputa sai do âmbito ideológico, que é o que deveria ser, porque falar de política é falar de como as pessoas compreendem o mundo e como isso se desdobra na nossa vida cotidiana, e ela sai disso para virar balcão de negócios”.
Isso porque, muitas vezes, os partidos que se coligam têm ideologias diferentes, de forma que o voto em determinado candidato é na verdade para a sua coligação, ajudando a eleger outro candidato com quem o eleitor pode não ter afinidade ideológica. Como a coligação termina no momento da contagem de votos e, a partir da eleição, os candidatos eleitos podem seguir seus caminhos, o eleitor pode ter usado seu voto para eleger alguém que vai defender propostas contrárias aos seus interesses.
“A proibição das coligações diminui a confusão, ponto positivo. Qual é o ponto negativo? Partidos pequenos, ao não ser possível fazer coalização, tem muito mais dificuldade de conseguirem cadeiras na câmara dos vereadores, na assembleia legislativa ou na câmara federal”, pontua Carvalho, que também é professor na Universidade Federal do Sul da Bahia, em Itabuna.
E o ‘distritão’?
Extremamente criticado, o modelo prevê que os deputados mais votados em cada estado seriam eleitos para a Câmara, desconsiderando todos os votos que foram para candidatos que não conseguiram se eleger. Os críticos desse formato alegam que esse é um sistema que privilegia os que já foram eleitos, prejudicando a renovação e mantendo as mesmas pessoas nos espaços de poder.
Depois das polêmicas, os deputados excluíram esse ponto do texto. Para Carvalho, o distritão definitivamente não é uma boa opção. O cientista político aponta como modelo ideal o de lista fechada, que nem ao menos surgiu nos debates, onde o partido disponibiliza a lista de candidatos, e o voto é no partido. Se o partido com a quantidade de votos conseguir cinco cadeiras, os cinco primeiros assumem essas cadeiras.
“É mais interessante porque você poderia criar na legislação parâmetros de acesso às minorias, e parâmetros de divisão conforme a população do estado. Então, por exemplo, a lista do PT na Bahia teria que para cada homem branco ter uma mulher e ter um negro, isso tornaria o congresso mais representativo, possivelmente”, explica. “Mas, é muito difícil uma lista fechada ser aprovada no Brasil. O brasileiro tem muito personalismo, você vota na pessoa, e muitas vezes nem vê nem o partido”.
Já o voto distrital, conhecido como maioria simples, é um sistema em que cada membro do parlamento é eleito individualmente nos limites geográficos de um distrito pela maioria dos votos (simples ou absoluta). Dessa forma, o país é dividido em determinado número de distritos eleitorais, cada qual elegendo um dos políticos que irão assumir as cadeiras.
“O sistema proporcional talvez seja o que mais permite que minorias tenham acesso à Câmara, porque mesmo com poucos votos, mas espalhados pelo estado todo, se você está em um partido ou coligação que ganha várias cadeiras, você consegue colocar minorias ali. O distrital é difícil você ter uma minoria representada. Todos esses sistemas foram colocados na mesa, e no final das contas, manteve-se o voto proporcional”, afirma Carvalho.
Federações Partidárias: a principal mudança?
Enquanto a volta das coligações foi descartada, uma novidade foi instituída: as chamadas Federações Partidárias. Esse modelo vai funcionar como uma coligação, no entanto, os partidos que decidirem se federar, ou seja, criar um estatuto da federação, precisarão se manter juntos por quatro anos.
“Essa ideia permite que você ainda mantenha a existência dos partidos pequenos e que eles não sejam extintos, por causa da cláusulas de barreiras [dispositivo que restringe ou impede a atuação parlamentar de um partido que não alcança um percentual de votos], mas espera-se que os partidos se unam agora com bases ideológicas comuns. Sempre ouvimos na câmara ‘líder do partido’, agora vai ter líder da federação”, explica.
A alteração vale para todos os níveis, isso significa que se partidos se federarem para as eleições de 2022, eles estarão federados na eleição para vereança de 2024. “A federação tem que ser muito bem pensada, porque diferenças regionais sempre acontecem, e se os partidos estiverem federados, eles não vão poder concorrer entre si no nível municipal. E nesse caso não é uma emenda à constituição, é uma lei”. Para Carvalho, essa questão é a de maior impacto e a modificação mais significativa.
Minorias (Políticas)
As mulheres e a população negra representam, respectivamente, 52% e 56% da população, mas são apenas 15% e 24% na Câmara de Deputados. Isso coloca o Brasil na antepenúltima posição em representação feminina na América Latina e um dos piores do mundo. Desde 2018, 30% dos fundos de financiamento público para as eleições tiveram que ser destinados às campanhas de mulheres, decisão que se expandiu para as candidaturas negras a partir de 2020.
“Infelizmente o que aconteceu foi que vários partidos criaram candidaturas laranja. Colocaram o nome de mulheres que nem sabiam que estavam sendo candidatas só para cumprir a lei. Então se percebeu que esse mecanismo não funcionou para aumentar a bancada feminina”, destaca o professor.
Agora, existe uma nova regra para distribuição de fundo partidário com uma nova contagem de votos em candidatas mulheres e de pessoas negras.
Assim, 5% são divididos igualitariamente entre os partidos que cumprem a cláusula de desempenho, independentemente da quantidade de votos. Os outros 95% são divididos na proporção dos votos obtidos na última eleição para a Câmara. É nesse ponto que incidirá a nova regra: a contagem em dobro para mulheres e negros, que é transitória e tem previsão para durar até 2030.
“Espera-se que isso estimule os partidos a colocarem mais candidatas, e candidatos negros e negras. Essa alteração na contagem de votos para distribuição do fundo me parece mais racional, porque não adianta colocar o candidato lá, ele tem que ser votado. Isso significa que, em tese, os partidos vão gastar mais recursos para promover essas candidaturas”.
Mas, no caso das mulheres, esse não foi o único ponto discutido a respeito de representatividade na política. Em julho, o Senado aprovou que, apenas em 2038, 30% das vagas das casas legislativas estivessem reservadas às mulheres.
Para a covereadora Louise, por exemplo, a meta ainda é muito pequena e, além disso, deveria ter vindo acompanhada de uma definição nítida de quais políticas seriam implementadas para que fosse atingida. A parlamentar defende que sem definir esses processos, e de onde vai sair o orçamento para que esses processos sejam exequíveis, não é viável seguir definindo metas.
“Não há uma política de incentivo para que as mulheres cumpram até mesmo a cota que já existe hoje, que é de 30% dentro dos partidos. Não há fiscalização de como essa cota é atingida, de como a reserva do fundo eleitoral na época de campanha de fato é repassada para essa candidaturas”, destaca.
Outros Pontos
A emenda constitucionaliza também a fidelidade partidária, ou seja, deputados federais, estaduais e distritais e vereadores eleitos por um partido só podem sair desse partido sem perder o mandato se a legenda concordar com a saída. Outra mudança simples está relacionada ao dia da posse, realizada sempre no primeiro dia de janeiro. A partir de 2027, a posse para presidente passa a acontecer no dia 5 de janeiro, e para governadores a data passa para o dia 6 de janeiro.
O texto também prevê outra alteração a respeito da incorporação de partidos. A legenda que incorpora outras siglas não será responsabilizada pelas punições aplicadas aos órgãos partidários regionais e municipais incorporados e aos antigos dirigentes do partido incorporado, inclusive as relativas à prestação de contas.